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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O homem fescenino

Ele anda às turras com a realidade. Antes considerado sedutor e pensante na arte de seduzir, agora reduz-se a um pândego sempre ébrio a gracejar para algumas raparigas que não lhe dão ouvidos nem sentam a seu lado.
Homem em extinção. Pede o vinho mais acre e o toma num gole. Sente-se forte para sua fraqueza e sua vontade de manter seus ímpetos sexuais em dia. Mas sempre regressa sozinho ao seu quarto perto a Avenida Liberdade, numa das ruelas que acercam, no qual tantas mulheres já acordaram com aquele sorriso belo na boca de estarem satisfeitas. Hoje acorda ele com gosto amaro a tomar uma chávena de chá forte e desanimador. 

Não é produzido e nem recicla-se. Tornou-se um artigo de museu. Sua vestimenta é ridícula. Suas palavras lembram o português barroco, árcade talvez, ele parece ter sido perdido num verso erótico de Manuel de Bocage. E como sofre com tal recompensa da vida, A vida que tira, a vida que retira. E mais um dia volta à solidão soturna de seu quarto com a Vênus de Milo pintada à parede, em destaque, canva escura, nem dá para vê-la bem ao certo. Perdeu espaço para o homem completo: forte dentro e fora de casa. Nada sabe fazer que o Diário de Kierkegaard não o tenha ensinado. Não conquista nem mais a mesma mulher. 

Pergunta a um ébrio que deita-se sobre à mesa.

- Por acaso perdi eu o tino para as mulheres. 

O homem bêbado olhou-o com um ar cínico, arejou o seu olhar, levantou-se e pôs, tal Diógenes, à frente do inquiridor e disse: tente a si mesmo. Seduza-se e leve consigo tuas lamúrias idiota! 

Lá se foi a última pá de honra de um homem. Em trechantes foi perdido. Em um molha de recordações foi deixado. Enterrado vivo. Fama sua foi-se como vento: acabou-se o homem fescenino. Um dia a responsabilidade abre os braços e cativa os seus. Ele fica de fora. Chateado com pingos de pranto aos olhos, mas resignado. Perdeu. A derrota chegou-lhe, não com a idade, mas com a irresponsabilidade plena. 

Foi-se de novo à casa. À porta uma última olhada em sua boemia e seu grito de descaso: vou dormir! 



Eustáquio Silva (29/01/2016).

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