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sexta-feira, 29 de abril de 2016

Um sonho com a mar

Pegadas, caminhos, e ondas
Eis o sonho que tive 
Eis as palavras que disse 
Tudo que temos é o que navegamos 

Silente ou perto de mais da costa
A vida são como seu movimento 
Um vai e vem que a cada momento 
Leva-nos a ser onde estamos 

Um dia, um poema, um ensinamento
Um miúdo a quem conversa
Animais de todas as espécies 
Tudo e todos, navegamos 

E lá ao fundo o barulho majestoso
Tantos marujos, tantos sonhos, tantos tesouros
São como pétalas de ouro
Não do metal, mas do que precisamos

Vem uma fina chuva de prazer
De inebriar qualquer versejador 
A dizê-lo: és tu meu senhor
O depósito para onde quedamos 

E a viver sempre a sair de lugar a lugar 
Em cada porto que se ancora
Sabe-se logo em acolhida que é de agoras 
Que formam-se o dia que navegamos 

Rios que cortam-te e deitam-se ao lado
São como filhos em teu seio de regresso
E digo ao miúdo: somos este perto
E as pegados e hemos de ir a deixar 

Mas que linda situação eu vejo
O sonho mais belo que tive 
Com o cantar das ondas eu disse
Viver é como sempre aportar 

Acordo de um dia tenebroso
Ao lado dos que considero, dos que amo
Não há presente em maior tamanho 
Eis o meu continente majestoso 

Rica é a mar, rico são seus dizeres
Mesmo quando permanece em seu siléncio
E meu sonho foi meu momento
De  dizer-lha como é-me importante 



Eustáquio Silva (29/04/2016).

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Como está sereno o céu - Marquesa de Alorna

Como está sereno o céu
Como sobe mansamente
A luz resplandecente
e esclarece este jardim

Os ventos adormeceram
Das frescas águas dos rios
Interrompe o murmúrio
De longe o som de um clarim

Acordam minhas ideias
Que abrangem a Natureza
e esta nocturna beleza
Vem meu estro incendiar

Mas, se à lira lanço a mão,
apagadas esperanças
me apontam cruéis lembranças
e choro em vez de cantar

Marquesa de Alorna


Eustáquio Silva, admirador de Alcipe, 27/04/2016

terça-feira, 26 de abril de 2016

Aos meus olhos (terceto poético)

Aos meus olhos eu entrego um verso de solidão
Quero que ele cresça e de semeado viva 
Para ser a vida que sempre quis que não passasse em vão


Eustáquio Silva (26/04/2016).  

segunda-feira, 25 de abril de 2016

A que deve-se a precoce perda - Parte I


Amy Winehouse

Como uma cantora de tantos talentos perdeu-se a tal ponto que actuar e vê-la cantar era um suplício? Uma das melhores e maiores vozes de uma geração perdeu-se compulsivamente por conta de problemas sérios com drogas e más companhias a ponto de ser alvo de tantas e tantas discussões sobre quem realmente deu a ela a sentença de morte, já em vida. Prefiro ficar com o seu talento que ignorar a importáncia que tem para tantas pessoas. 


Ian Curtis (Joy Division) 

Este já é um caso diferente. Já tinha em si o ADN do regresso à morte. A depressão e a inconstáncia que eram-lhe peculiares faziam dele uma bomba relógio. Um homem à beira do abismo a falar de amor que irá separar as pessoas. Isto fez dele um elemento que perdeu-se e não teve como recuperar-se. Restou-lhe o suicídio. 
Cabe em esta chávena pelo que representou à música e, precocemente, calou-se. A vida de um músico interfere na de várias outras pessoas e se todos soubessem não deixar-se-iam levar por esta desgraça interna a ponto de perder-se em si. Mas quem sou eu a julgá-lo, pois o vazio interior podia-lhe ser tão forte que não foi possível superá-lo. Mas, de qualquer modo, há-se fazê-lo esta homenagem. 


Kurt Cobain (Nirvana) 

A alguns o último grande talento do Rock n Roll,  a outros um rebelde sem causa. A mim um ícone de minha geração. Cresci a escutá-lo e a admirá-lo. Sabia de seus problemas, mas via em sua música um grito da juventude à sua época. Um dos mais notáveis cantores, ou mesmo, não cantores de sua geração. Se tivesse chance de mais viver seria bem maior do que foi. Mas não poderia. O histórico de vida não o deixava. Um ás perdido. Um homem sem rumo. Um alguém que abominava a fama. Um ser sem acção diante dos factos. Restou-lhe a vida como peso e o peso de sua perda. Infelizmente...


Whitney Houston 

Como bem disse o professor de canto e youtuber Márcio Guerra, alguém que brincava de cantar. Uma voz impressionante. Alguém que galgaria algo ao lado de damas do blues, jazz e soul americanos. Mas sucumbiu às más companhias, as mesmas que acabaram com Amy Winehouse. Perdeu a batalha para as drogas e foi um exemplo de derrota para tantos e tantos de seus fãs. Confesso eu que das quatro pessoas que trouxe à Chávena, ela era a que menos ouvia. Não é de meu género musical preferido. Pero é de um talento incontestável. Faz com a voz o que bem quer. É dona da melhor voz se prestasse a ela a atenção devida. 
Encerra este primeiro momento por achar eu que alongar-me-ia demais em fazer mais observações. Se quiserem nada leiam do que escrevi apenas escutem as perdas que estão dispostas. E verão que virão a repetir aquilo que vos digo em estas poucas e parcas palavras. 


Eustáquio Silva (25/04/2016).  
 


sábado, 23 de abril de 2016

Desilusão

Ele deixou-se sufocar pelos seus sonhos. Pensou viver e poder conquistar. Mas eis que logo veio a realidade. Bolçou-lhe os versos. Varreu-lhe os tempos e a tudo fez viver em seu dissabor. 

Quem não acreditava nele pôs-se a rir de sua aflição. Chamaram-lhe de louco, insano, o inconveniente. Queixosos, pois, não conseguiam voar. 

Até que ele pela vida atreveu-se a si mesmo abandonar. Mas que peso maior pode ter a queda a quem há pouco sabia voar. 








Eustáquio Silva (23/04/2016).

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Aquela verdade de mim, aquela poesia de mim ..

Aquela verdade de mim, aquela poesia de mim...
Aquela sensação de que serei eu a ver a morte agora
De que serei eu a conquistar o último som, última hora
Descem-me ao meu sorriso, são meu fim
Não deixo que transpareça, mas sei que tem um sim
Um sim à vida que acaba, que não volta e, enfim
Cobra e como faz com que eu não tenha demora

O verso de mim, o verso tolo e pequeno de mim, eu
Em minhas palavras, em minhas coitadas palavras
São como as minhas poucas e longas páginas
A depor que o acabou agora já morreu
Sou eu que disse: vou-me embora e doeu
Em mim deixar-me só à sepultura para seu
Destino terminar como quem não tem mais nada

Ai! Ai ai!, a dor no peito que está aqui
O poeta em sua lacrimejante cena
Está aqui, acolá, comigo e contigo, ali
O mundo todo em uma língua trémula
Sempre que eu vá eu não vejo mais problema
Em dizer que o que nada sente, nada deve existir

Eis como cheguei ao verso final



Eustáquio Silva (22/04/2016).

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Mensagem

Enquanto houver beleza
Beleza por ela mesma
Vale a pena fazer versos

Enquanto houver arte
Arte por ela mesma
Vale a pena estar perto dela

Enquanto estiver o dia claro
A noite continuar atraente
Vale a pena conduzir-se ao vinho


Sem isto o mundo simplesmente deixa de existir



Eustáquio Silva (20/04/2016)

terça-feira, 19 de abril de 2016

O romantismo não é derivado de Rousseau

Quais são as principais e mais conectadas ideias que tem-se daqui afora sobre o romantismo - inclusive sedimentadas no mundo afora? 

- O romantismo é uma cisão ao arcadismo em sua essência de remissão ao clássico e em sua índole revolucionária francesa. 
- O romantismo tem no franco-suíço J.J. Rousseau seu elemento teórico-técnico de existência. 

Denego aos dois. 

Rousseau foi sim uma reacção ao iluminismo francês e ao liberalismo inglês. Concebeu as luzes como elemento estranho ao seu filosofar. Há-de lembrar-se, se me permite o leitor, que sua concepção de natureza corruptora de um "bom selvagem" é a mais deturpada de todas as interpretações e 90% de suas explicações académicas são-me ineptas. Rousseau é bem a calhar com um espectro de coisas pouco fixe e pouco correcto e justifica várias teorias dictas democráticas. Ao falar do povo em emanado do povo todos erram ao interpretar com prejuízo à palavra "emanar", visto que emanar cá não é que permaneça, mas que tem fundamento e nem significa que cabe ao povo exercê-lo, em pensamento do pensador francófono. 

Quando à literatura nada mais irrelevante pensar que alguém com o texto de "bom selvagem" fosse inspiração filosófica ao romantismo, mesmo ao de primeira fase. Talvez tenha-se ao Brasil, por exemplo, exceção destacada. Pero ao movimento conflituoso do romántico, seus vícios internos, seus rompantes, seu ímpeto, seu gosto à morte. Todos ingredientes de um poetar não rousseauniano. Não há dúvidas, ao menos a mim, de que Rousseau não tem efectiva participação na construção romántica. Não parte dele causar esta cisão com o clássico, pois tem muito de clássico em este. Não é ele o principal responsável pela liberdade criactiva e pela profusão temática do romántico. 

Digam o que disserem não vejo-o assim. Não é a este Rousseau que li. Pois ao seu atento ponto de equilíbrio teórico Rousseau não é um autor de novidade, mas de ruptura com as luzes, e isto por si só demonstra que este paira num canto à realidade que não o de idealizador da novidade, apesar de ter-se colocado como ideólogo de revoluções, ele não tem o ADN ou não atinge a cimeira do romantismo por absoluta insuficiência de seu pensamento frente à grandeza do movimento literário e filosófico que vê bem mais em Herder e Goethe, em Voltaire e outros, vasos a sua planta nascida. 


Eustáquio Silva (19/04/2016).

O siléncio de Chopin

Nada mais a dizer: apenas ouvis!






Eustáquio Silva ao grande mestre Chopin (19/04/2016).

sábado, 16 de abril de 2016

Poema de meus olhos, logo eu

Se meus olhos são-me a janela, o mundo
Como vi o passado e vejo o que existe
Como veja que sou alegre e que sou triste
Eis o que tenho eu de mais fecundo

Um lúgubre ensaio de notas poucas
Um corpo de uma noite pesada cansada
Que abre as suas janelas o Zéfiro estraga
A sensação mórbida de vida oca

São meus os desventurosos grotões
Até onde elevo eu a minha poesia
E é esta minha profana elegia
De uma vida que para sempre aos rincões

De vala de mundo, quem há de dizer-me
Que por acaso isto que digo meu
Não é só o de mim que já morreu
Ou o que os meus olhos inda julgam ter

É certo que poetas muito fingem
É certo que a poesia lhes é um universo
Fazem da realidade um reverso
Nem sempre querem mostrar o que dizem

Mas quem os meus olhos enganariam?
Quem estes diriam aquilo que não é
Se são tão simples de ver-se, duas Níobes quer
Cada um deles falar o que sentiriam

Por muito menos fez-se noite neste canto
Do mundo que sempre habito
Mas meus olhos vão-me do feio ao bonito
E com eles sou e sou sem espanto



Eustáquio Silva (16/04/2016).  

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Sto. Agostinho e a Estética do Tempo

Mesmo que não seja adepto de credo algum em termos de existência, quero eu demonstrar cá em minha Chávena de mundo o quão profunda é a forma e a beleza da filosofia de Santo Agostinho, Bispo de Hipona, e o quanto a sua reflexão relativa ao tempo cobre-me de deleites em leituras. 

Abaixo cito-o  in literis a vós, ó meus leitores e frequentadores desta Chávena:

Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicar facilmente e com brevidade? Quem poderá apreendê-lo, mesmo com o pensamento, para proferir uma palavra acerca dele? Que realidade mais familiar e conhecida do que o tempo evocamos em nossa conversação? E quando falamos dele, sem dúvida compreendemos, e também compreendemos, quando ouvimos falar dele. O que é, pois, o tempo? Se ninguém mo pergunta, sei o que é, mas se quero explicá-lo a quem mo pergunta, não sei: no entanto, digo com segurança que sei que, se nada passasse, não existiria o tempo passado e, se nada adviesse, não existiria tempo futuro, e, se nada existisse, não existiria tempo presente. De que modo existem, pois, estes dois tempos, o passado e o futuro, uma vez que, por um lado, o passado já não existe, por outro, o futuro ainda não existe? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse ao passado, como é que dizemos que existe também este, cuja causa de existir é aquela porque não existirá, ou seja, não podemos dizer com verdade que o tempo existe senão porque ele tende para não existir (...) (Confissões, Livro XI). 

Que fabulosa elucubração sobre o tempo! Ao tempo que indaga por uma coisa que cerca-nos, e interessa directamente à poesia, faz isto com a subtileza de um grande poeta. Ao decorrer do texto Agostinho responde as inquirições que o trecho de seu texto faz. Assim o faz de acordo com as suas confissões e como este assunto interessa ao romantismo em directo, não poderia deixar de estar aqui e de inspirar a nós de que o passado, o futuro e o presente são formas cabais de um mundo vívido de certezas e de seguranças. 
Mas o que mais queria eu falar-vos é desta maneira de conceber esteticamente ao tempo. Cá estética não é ao que cabe o culto à beleza, mas a experiência, o que diz o vocábulo grego aesthesis em todo seu sentido mais forte e firme. Por isto cabe sim uma admiração ao Bispo de Hipona por sua imensa sabedoria e por sua infinda condicção de ver questões complexas e forma tão agradável e prazerosa. Eis o que a mim é e tem sido as Confissões deste poeta da filosofia. 


Eustáquio Silva (14/04/2016).

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Carta a Alberto Caeiro

Mestre meu, orgulho-me em dizer-lhes algumas palavras


Sei de tua aversão às rimas, conheço-a bem, pois li-vos com a avidez que um miúdo busca a natureza. Faz dela seu lar. E assim vivestes, como um miúdo ao natural e por rimas por demais remetiam ao clássico, ao adulto, ao metafísico, ao platónico, ao aristotélico, regras e regras por demais enfadadas a um poeta da expressão como fostes. Ó Açor dos versos, mas não odieis as rimas vós. Não há motivo. Estas são tão castas quanto as vestais romanas e as musas gregas. São como limas num pomar de laranjas, olivas e figos. Disto não canso-me de dizer-vos: rimar é como respirar, ao certo como expirar: saem de dentro de si e vão-se às páginas, aos rabiscos, aos outeiros que conhecemos.

Concordo convosco com a metafísica desnecessária e pelo sentir em vez de pensar nas cousas. Não à toa sou-te um dos discípulos. A mim a poesia precede a filosofia, mas não leve-me ao mau juízo, mas penso. Penso, mesmo que após sentir muito. E este pensar aflito e activo faz-me um coleccionador de desafectos a coimarem em tranches o meu escrever a sentir. Sabes bem o que é atrever-se, pois toda vida o fizeste. Atrever-se é como subir a uma árvore alta e antiga, aquilo que te faz poder quedar ao chão ao primeiro esforço. 
Como isto agrada-me. Pero como cansa os devoradores de Dioniso despedaçado que polem-se de inveja e rancor e lançar mau olhado ao que escreves até que seque como pimenteira. Mas inspiro-me em vós: escrevo porque é assim que vivo. Viver de uma forma simples. Sem rodeios. A registar em letras aquilo que está a meu arredor. 

Ao fazê-lo, eu sou um travador de batalhas à mar. Licencio-me de ti, pois não vivo em terra, mas à mar. Com turbulências e tempestas próprias. Acho-me fixe a estar a bordo com ondas a querer-me jogar abaixo e isto de haver um profundo de água, de seres marinhos, de outros navegadores a fazer disto uma vida fazem-me distáncia a ti. Mas, mesmo não campesino, vejo teu campo do cais de minha existência e doo-me ao mirar mais de perto a ficar a um pé solto rumo à ínsua das antigas terras de Lusitánia. 

Além da admiração rogo-vos compreensão. Primeiro delicadamente insiro eu o pensar em meus versos e, ademais, as rimas. Mas isto não faz-me um dissidente de teu poetar. Não fazeis com que tenha eu este desgosto. Sou um mísero incipiente versejador perto a ti, grande sol natural de inspiração. Mas acolho-me em guarida nestes versos (mais vezes com rima do que sem elas) por motivos da insegurança de não pisar e sim navegar, por isto a permissão requerida a teus olhos é a que faço agora. E com ela também aludo a meu outro grande mestre Cesário Verde. 

Ó vós seres de palavras profundas envoltas numa simplicidade incessante. Conheço-vos os meandros románticos e os tenho em altíssima conta. Sei eu de vossas grandes proezas e sou eu aquele que vejo o dia mais certo amanhecer. 
O dia de meu tesouro maior. O dia de minha riqueza é conjugar vossos estilos ao de meu pobre e iniciante fazer versos e por isso comunico-vos, bocagiano que também sou, de meu atrevimento e com meu impulso de devoção e acção de respeito. 

Com cumprimentos poéticos 


Eustáquio Silva (13/04/2016).

terça-feira, 12 de abril de 2016

Madrugada

Ao sofrido jovem Werther 


Madrugada que visto com minha dor
Que sei ser meu maior desalento
Como um gole de vinho ao relento
Bebo a necessidade de me decompor

Em tantos eus que não caibam ao poema
Como um mundo profanada e sem chão
Quero eu ser a imensa escuridão
Que qualquer destas linhas tenha

Hoje sou um homem amparado
Na minha força de desfalecimento
A esperar pelo próprio momento
De ser por mim mesmo despedaçado

Prometeu de poesias feito e acabado
Digo adeus ao dia que se aproxima
A trazer-me de novo a sina
De ser eu o único acorrentado


Eustáquio Silva (12/04/2016)

domingo, 10 de abril de 2016

Poesia para ver: Abel Manta


Eustáquio Silva (10/04/2016). 

Baudelaire

Charles-Pierre Baudelaire, um flamêur,  o correspondente francês do inglês Dandy  e do português Boémio. A nove de abril de 1821 viera ao mundo e já imerso no universo romántico da época levou-o ao ponto mais alto, à cimeira, com uma poesia de desilusões e de desastres cuja classificação de Poeta Maldito vem-lhe a calhar. 

Génio, poeta de sangue (tanto literal quanto metaforicamente), do género que os olhos, à imagem, desaguam a melancolia agressiva e o culto da área obscura de todos os dias, merece ele, ah como merece, o título incomum de poeta e grande poeta do século XIX. Os oitocentos não seriam os mesmos sem as suas flores do mal que beiram o grotesco aponto pelo igualmente francês Victor Hugo que em sua teoria literária chamou a este de berço da poesia. O poeta tal qual um cataclismo bolça sobre o mundo e por este é cursado da pior maneira possível, com chacotas, desdém e isolamento. Em todo poeta cuja producção é comparada a elitista e sem sentido, há este sentimento que o cúmulo do romantismo trouxe, pois só a partir daí prestou atenção que não era um ser divino e sim um ser humano que depende do que olhos atentos o digam. 

Mas acima de qualquer digressão ao ser poeta, mesmo que oportuna, Baudelaire merece cá está por tudo que fez e ainda faz pela poesia a transfigurar-se naqueles que nele espelham-se em todas as gerações presentes até hoje. Se joga você, ó poeta iniciante, o jogo das paixões absurdas, do hedonismo lascivo e da lámina que divide a alma, estás com ele em boa companhia. Embriagai-vos como ele mesmo diz de tudo até mesmo dentro desta chávena e o que couber nela. Parabéns a Baudelaire e parabéns a poesia!!! 


Eustáquio Silva (10/04/2016).

sábado, 9 de abril de 2016

Do outeiro de meu mundo

Do outeiro de meu mundo
Vejo moça lá de baixo
A chorar, dizer - O que faço?
Queria viver, mas não posso...

Logo após uma velha senhora
Com alguma coisa à mão
Aos brados lembrando-me o trato
Diz que viver é cumprir obrigação

Eu e minha figueira, de figos recheada
Éramos como uma calçada
Mais alta a vida lá embaixo

Onde passam pessoas todo o tempo
Onde viver é passatempo
Onde calar-se é ver as nuvens a mexer-se lá no céu

Ah, eu queria só voltar ao outeiro
Lá em serra entre trigais
Para de música de pardais
Poder cantar qualquer coisa bonita

Ouvir a música do tempo
Ouvir a semántica do vento
Tocas as flores tão rebuscadas

Melhores que os versos lá de sempre
Uma dama da noite ali logo perto
Fazia-me por completo
Ver como é bom viver assim

O que eu buscava era só um fim
Para este saudoso poema
E vi que o melhor é voltar cena
Aquela que ainda nem escrevi



Eustáquio Silva (09/04/2016). 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Quási (trechos) Mário de Sá Caneiro

Um pouco mais de sol, eu era brasa
Um pouco mais de azul, eu era além
Para atingir faltou-me golpe d'asa
Se eu menos eu permanecesse aquém

(...)


Quási amor, quási o triunfo e a chama
Num baixo mar enganador de espuma
E o grande sonho expressado em bruma
O grande sonho, ó dor, quási vivido...

De tudo houve um começo, e tudo erro...
- Ai a dôr de ser quási, dor sem fim
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim
Asa que se elançou se não voou

Momentos d'alma que desbaratei
Templos aonde nunca pus um altar
Rios que perdi sem os levar ao mar
Ansias que foram mais que escutei

(...)

Um pouco mais de sol, eu fôra brasa
Um pouco mais de azul, eu fôra além
Para atingir faltou-me um golpe de aza
Se ao menos eu permanecesse aquém

Mário de Sá-Carneiro em "Dispersão"


Compartido por Eustáquio Silva (08/04/2016). 



Meu navegar

Meu navegar chega-me perto, ao molhos choro eu
Por uma dor que não inda sinto, por um vulto de tristeza
Todo poeta é como se fosse um sofrido Prometeu
Que ao olhar um rio vê mais que sua longa certeza
De correr e a correr leva consigo o que já foi seu
E agora é coisa de outra sentida dor, que assim seja

Meu navegar é como seco oceano
Vai ao mundo, ruma ao precipício
Lá deita seus desejos, acalma o suplício
E farta-se com o dissabor do plano

Ai! Como eu queria que prometestes
Que a minha maior dor vós diríeis é dia
Acordar-me deste mundo, como sofresse
De uma longa e insepulta letargia
Morro em vida este carma, carma este
Que é meu navegar a melancolia

Meu céu a cinza cor bem remido, oh remido!
É tudo que eu tenho, tudo que possuo
Não culpo a ti pelo que eu destruo
Apenas queria ser de mim esquecido

E só navegar para mesmo longe de mim
Como a esquecer tudo que já viajei
A esta dor que dá-me um suspiro, leva-se assim
Como o tanto que já me desesperei
E queria só que fosse o fim
Aquilo que já senti e que já chorei
Mas não é que navegar é outrossim
Ser o que jamais deixarei de ser e nunca serei



Eustáquio Silva (08/04/2016) 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Eu cantarei um dia da Tristeza - Marquesa de Alorna

Eu cantarei um dia da tristeza
Por uns ternos não ternos e saudosos
Que deixem aos alegres invejosos
De chorarem do mal que não lhes pesa

Abrandarei das penhas a dureza
Exalando suspiros tão queixosos
Que jamais os rochedos cavernosos
Os repitam da mesma natureza

Serras, penhascos, troncos, arvoredos
Ave, montanha, flor, corrente
Comigo hão-de-chorar  de amor enredos

Mas ah! que adoro uma alma que não sente !
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo meus ais inutilmente


Leonor de Almeida Portugal - Marquesa de Alorna  (1750-1839)


Compartido por Eustáquio Silva (07/04/2016).

Como há romantismo em cada literatura

Normalmente é de pensar-se o porquê de o romantismo ser a expressão mais duradoura da literatura em vários países ou a mais presente, mesmo que não em estilo e forma, mais em traducção do que seja poesia e prosa em mundo. Esta acção romántica forte dá-se sob a custódia de uma direcção assumida contida na palavra romantic que quer dizer, naquilo de mais amplo, o que é da imaginação, quem firma-se pela emoção e pela criactividade. Quem não definiria um poeta, a exemplo, destarte? Eis aí a força do impulso do conatus romántico. 

Se é certo que o poeta é um imaginador, um ser da criacção e da elaboração extraída da realidade e se é verdade, como penso ser, que o impetuoso e sensível advém ao racional e métrico ou simétrico, logo primeiro vem Dioniso para que surja Apolo, e nisto está todo conflito do poeta em ser sempre algo entre estes dois extremos, da ribeira romántica à cimeira formalista o literato é, por natureza, um elemento que vibra, a tomar de empréstimo uma expressão de Heidegger, entre o totalmente incomum e o absolutamente ontológico, criador. 

Neste ponto, a descer do Olimpo as palavras, todo poeta é um romántico que faz-se por estilo de verso desta ou daquela escola a ser o romantismo não uma escola, mas uma pressuposição poética. O romance firmou-se como género de escrita, mesmo em crise actualmente, género literário e por ponto próprio de afirmacção todo poeta é um ser que sente dor já dizia Fernando Pessoa, mesmo que a dor que sinta seja expressão poética, seja fingir que sente para que possa melhor ser lido. Nisto em absoluto é um fazedor romántico de uma realidade. 

A pronta forma poética é o romántico. O romance é o equivalente prosístico e estético ao poema imaginativo, lírico, profundamente presente num ironista como Oscar Wilde do De Profundis ou no realismo de Machado de Assis ao falar de o que há de romance no casmurro Bentinho e sua musa. Há romantismo, inclusive, a ler-se a tragédia anterior - transformada em drama - e eivada de sentimento pelo romántico inglês ou pré-romántico inglês William Shakespeare - e nisto até as musas árcades e os galanteios, a cantata lírica grega, tudo isto é cheio deste romantic que aludo em bocado acima do texto. 

Romántico é, acima de tudo, aquele que propõe-se aos versos e às letras de modo geral. Eis a questão. 
É isto que quer dizer o título desta provocacção, este acinte a qualquer doutrinador que não goste dos exacerbos do romantismo (escola literária, numa divisão didáctica e não cronológica) enquanto fortuna de verbo literário. Não tomeis vós por uma provocacção que vise o perder-se em querelas e em quezílias desnecessárias, mas apenas como uma acção que provoque discussão e que atraia a atenção que pode ser o romantismo ser ampliado e usado como luneta a ver toda a literatura de antes e depois de este como escola. Já pensastes nisto? 


Eustáquio Silva (07/04/2016).

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Duas frases; Duas certezas


É preciso saber fazer arte!


Ninguém nasceu para ser obscurecido por outrem. 



Eustáquio Silva (06/04/2016). 

terça-feira, 5 de abril de 2016

Apenas vi do dia a luz brilhante - Bocage

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá no Túbal no empório celebrado
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelo Destino, meu primeiro Instante

Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, meu doce agrado
Segui Marte depois, e enfim meu fado
Dos irmãos e dos pais me pôs distante

Vagando a curva terra, o mar profundo
Longe da Pátria, longe da ventura
Minha face com lágrimas inundo

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo
Suspiro pela paz da sepultura


Manuel du Bocage



Compartido por Eustáquio Silva (05/04/2016).

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Aos donos do novo cetro - Sátira

Aos donos do novo cetro, por favor, escutai
De vós não equilibro uma palavra de humor
Só tenho por vós um profundo horror
Pela ponta afiada de vossos punhais
Ora calai-vos e não faças do povo desordem
Arruaceiros!
A vida é liberdade e pães novos
E não um rio sujo
De palavras e discursos de ódio
Não quero ouvi-los, não faleis palavra alguma
Não ouvirei o resmungo de suas agruras
São só fábulas de remissão de não remidos
São só escadas para lugar algum, ao vazio
Vós e os cataclismos somais a mesma coisa
Não vos entendo
A vós donos do novo cetro
Queiras retirar-se de meu recinto de poemas
É uma ordem!
Defendo a gramática de vossas orgias com a língua
Não façais com que possa fazer de vós uma íngua
A acompanhar-me até mesmo em meu espaço de escrever
Não me escutais?
Agora vais!
Não queirais que vos seja consolo
Dói em mim ter que vê-los em meus arredores
A além mar quero logo aportar
Ficar em paz, ver o meu corpo descansar
Dessa podre infâmia de tantos homens e mulheres
Que redondos pensam leis como leite de magnésia
E cobram uns aos outros o que não oferecer de melhor
Vou-me logo
Antes que por vós eu me contamine
Antes que pelo vosso torpor eu me angustie
Saiam da minha página!
É meu último chamado
Tenhais piedade sou só um pobre fazedor de palavras
Um acomodado aos versos
E só neles quero ficar
Longe de vós
Obrigado



Eustáquio Silva (04/04/2016). 

domingo, 3 de abril de 2016

A poesia - Soneto V

Corpo de meu corpo, arte de minha arte, a poesia
Que tens tudo qu'um homem pode pensar em q'rer
Que carregas tudo que possa vir a florescer
Que caminhas por onde só anda a melancolia


E não choras, não gemes, nem gemeria
Se tu, por acaso, da vida fostes algo dizer
Ó poesia, tu consegues a todos entorpecer
É só tocares e o que tocares é realidade, não reveria


Gostaria que todos que te visse, entretanto
Olhassem a teus momentos de tristeza incontida
E pudessem dizer: como são rico estes prantos!


Que regaram e regam todas as mais puras vidas
Que ensinam a conviver com o do mundo desencanto
Até em ti ficarem belas e doces quaisquer feridas



Eustáquio Silva (03/04/2016).

sábado, 2 de abril de 2016

Lusíadas - Cantos I a III - Camões

I

As Armas e os Barões assinalados
Que da ocidental praia Lusitana 
Por mares nunca antes navegados
Passaram ainda além de Trapobana  
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana 
E entre remota gente edificaram 
Novo Reino que tanto sublimaram 


II 

E também as memórias gloriosas 
Daqueles reis que foram dilatando 
A fé, o império, e as terras viciosas 
Da África e da Ásia andaram devastando
E aqueles que por obras valerosas 
Se vão da lei da morte libertando 
Cantando espalharei por toda a parte 
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte

III

Cessem do sábio grego e do troiano
As navegações grandes que fizeram 
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama de vitórias que tiveram 
Que eu canto o peito ilustre lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram
Cesse tudo que a musa antiga canta 
Que outro valor mais alto se alevanta  


Luís Vaz de Camões - Lusíadas 


Eustáquio Silva (02/04/2016).
 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Quando a arte impressiona-me

Esta imagem, a realidade destes olhos em desespero, a condição da arte próxima demais à vida impressiona-me! 
Que genialidade! 
Não importa ao autor, apreciem a obra de arte! 


Eustáquio Silva (01/04/2016). 

Ela caminha em beleza (Lord Byron)

Ela caminha em formosura, como uma noite 
Em que o céu sem nuvens e com estrelas palpitantes 
E o que há de bom em treva ou resplendor 
Encontra-se em seu olhar, em seu semblante 
Ela amadureceu a luz tão branda
Que o céu denega o dia a seu fulgor 


Uma sobra demais, um raio que faltasse 
Teriam diminuído a graça indefinível 
Que em tranças com cor de corvo ondeia
Ou meigamente lhe ilumina a face  
E nesse rosto mostra, qualquer doce ideia 
Como puro é seu lar, como é aprazível 


Nessas feições tão cheias de serenidade 
Nesses traços tão calmos e eloquentes 
O sorriso que vence, a tez que se enrubesce 
Dizem apenas de um passado de bondade 
De uma alma cuja paz com todos transparece 
De um coração de amores inocente 

(Tradução: Fernando Guimarães). 



Eustáquio Silva 01-04-2016.