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sexta-feira, 10 de junho de 2016

Ode a Camões (em seu dia)

Teus mares, esforços de grande hora
São-te as palavras, ó grande génio imortal
Carregar e apendar teu grande sentido: o ideal
Que não vem só de ontem, mas também d'agora

Por isto canto-te a grande forma, a senhora
Das tuas cortinas que miram os rios da poesia
O D'ouro conservas e o Tejo irradias
Em cada versículo posto em sua certa hora

Fostes já dia da Raça, de um, de muitos cravos
De um brado de liberdade frente a vergonha
Daqueles que navegavam contram as brumas medonhas
Da gloriosa janela que fazias florescer em estado

Tão famoso de lusitanos pertences
Dos quais pela primeira vez cantastes
E pela primeira vez fostes e falastes
Ó tu que ao Olimpo dos versos jaz imponente

Q'ria ostentar-te em tão glorioso dia
Um lábaro a envolver-te um pescoço
A provar-te o quão de divinho tens no dorso
De cada poema que pronuncias

À campa não tens lágrima que não regue
Um povo, e tantos que a estes querem unir
Teu nome é aquele a reluzir
Camões é um altar à arte que s'ergue



Eustáquio Silva (10/06/2016)

quarta-feira, 8 de junho de 2016

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Tenho dois sonhos a mar

Tenho dois sonhos a mar
Um deles navegar sempre que vivo
Sempre que os dias parecerem pequenos
As águas parecerem profundas
As horas intermináveis
O outro é viver sempre que navego
Pois em cada nós que percorro
Deixo em marca
Aqui viveu um que fez versos
Enquanto dançava em cima do verdadeiro chão seu
As águas



Eustáquio Silva (06/06/2016)

terça-feira, 17 de maio de 2016

Cai a tarde em mim: vejo mundo

Cai a tarde em mim: vejo mundo
Como um céu que não contenta-se
Como casa que não alimenta
Meu sentimento mais profundo

E sou mesmo um mundo
Quem duvidaria?
Mesmo minha vida?
É coisa que mudo, sou, mudo

Desta noite levo, só o cálice
De minha certeza
Entre eu, minha tristeza
E que caia a tarde


Eustáquio Silva (17/05/2016)

terça-feira, 10 de maio de 2016

Soube eu que chove em ti



Soube eu que chove em ti
Chove em ti como um choro
De desgosto, de desconsolo
Chove-lhe todo o tempo, teu existir

Não, não penses que cada gota é doída 
Veio-te roubar a beleza
É poesia, é profunda limpeza
A profilaxia de tua própria vida

Sina de ser alguém imperfeito
Como todos aqueles que rodeiam-te
Que também não podem nem deitam-se
Sem um dia de lágrimas estarem cheios

A chuva de teus olhos é redentora
Traz-te de volta a antiga formosua
Transforma cada lágrima em vida sua
E lá fora só são solidárias a sua vida toda

Ó, musa, Calíope, bem o sabe
Quem não chora é quem vida não tem
A quem a toda dor diz algum amém
Não é teu caso, não é tua verdade

Por isso chores bem à vontade
Porque o choro é como inverno
Vem e esfria e depois é certo
Que deixa passo aberto à primavera de verdade


Eustáquio Silva (10/05/2016) 

domingo, 8 de maio de 2016

Minha Chávena de Mundo






Em minha chávena de mundo cabe arte, cabe vida sem grilhões, um viva à liberdade. Em minha chávena de mundo cabe uma hora a mais de sentimento e um tardio movimento à mar para vê-lo ondular sobre outra poesia. 

Em minha chávena de mundo cabe você e cabe a mim, cabe a quem quiser sentir. Não precisa de muito, apenas sinta. Apenas deixe a razão de lado e corra por ángulos não rectos e por linhas que não levam ao seu fim.  

Em minha chávena de mundo o que é é aquilo que não precisa definir-se. Em minha chávena de mundo há o que eu não posso mais deixar para depois. Em minha chávena de mundo eu gostaria de dizer que tudo importa e tudo faz algum sentido. 

Senão veja aquela flor, aquela lágrima, aquela rua, aquele pensamento, aquele desejo, aquela amizade, aquele  amor, aquela saudade. 

Eis a minha chávena de mundo. 


Eustáquio Silva (08/07/2016).

sábado, 7 de maio de 2016

Arte Galega - Carlos Barcón







Preciso eu falar mais algo? Não fala Carlos Barcón per se e traz à arte galega grande sentido? Deixo-vos com este talento e trago-vos ao conhecimentos de meus leitores e minhas leitoras. Aos que já o conhecem deleitem-se, pois vale a pena.


Eustáquio Silva (07/05/2016).

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Confissão poética

Preciso dizer-vos: preciso de versos
Dos mais diversos tamanhos
Dos mais diversos modelos
Sempre que um dia levante ou deite-se
Junto a tudo que tenho
Há-de ver-se que uma poesia nutre-me
Como o amor e vinho
Eis a minha Confissão



Eustáquio Silva (05/05/2016)

terça-feira, 3 de maio de 2016

Como hei de viver? A poetar...

Como hei de viver? A poetar...
Eis o meu barco à guisa, ao vento
Mimo pouco ao meu lamento
O que quero e em versos navegar

Calados siléncios, outros caminhos
São-me ode de um mundo a porvir
Não quero os soluços repetir
Não, digo não a estes espinhos

Que ferem a todo poeta
Mesmo que lá dor não sinta
Junta-se a sua incrível sina
Que de longe a vida não acerta

Eu, meus tolos eus, eu
Este pronome ousadamente definido
Sente pelo mundo atraído
A dizer: nada em mim não morreu

Viver a poetar é ter pouco chão
E dele fazer bem o traçado
Para não cair atrapalhado
A atropelos a ser guiado p'la escuridão



Eustáquio Silva (02/05/2016). 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Um sonho com a mar

Pegadas, caminhos, e ondas
Eis o sonho que tive 
Eis as palavras que disse 
Tudo que temos é o que navegamos 

Silente ou perto de mais da costa
A vida são como seu movimento 
Um vai e vem que a cada momento 
Leva-nos a ser onde estamos 

Um dia, um poema, um ensinamento
Um miúdo a quem conversa
Animais de todas as espécies 
Tudo e todos, navegamos 

E lá ao fundo o barulho majestoso
Tantos marujos, tantos sonhos, tantos tesouros
São como pétalas de ouro
Não do metal, mas do que precisamos

Vem uma fina chuva de prazer
De inebriar qualquer versejador 
A dizê-lo: és tu meu senhor
O depósito para onde quedamos 

E a viver sempre a sair de lugar a lugar 
Em cada porto que se ancora
Sabe-se logo em acolhida que é de agoras 
Que formam-se o dia que navegamos 

Rios que cortam-te e deitam-se ao lado
São como filhos em teu seio de regresso
E digo ao miúdo: somos este perto
E as pegados e hemos de ir a deixar 

Mas que linda situação eu vejo
O sonho mais belo que tive 
Com o cantar das ondas eu disse
Viver é como sempre aportar 

Acordo de um dia tenebroso
Ao lado dos que considero, dos que amo
Não há presente em maior tamanho 
Eis o meu continente majestoso 

Rica é a mar, rico são seus dizeres
Mesmo quando permanece em seu siléncio
E meu sonho foi meu momento
De  dizer-lha como é-me importante 



Eustáquio Silva (29/04/2016).

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Como está sereno o céu - Marquesa de Alorna

Como está sereno o céu
Como sobe mansamente
A luz resplandecente
e esclarece este jardim

Os ventos adormeceram
Das frescas águas dos rios
Interrompe o murmúrio
De longe o som de um clarim

Acordam minhas ideias
Que abrangem a Natureza
e esta nocturna beleza
Vem meu estro incendiar

Mas, se à lira lanço a mão,
apagadas esperanças
me apontam cruéis lembranças
e choro em vez de cantar

Marquesa de Alorna


Eustáquio Silva, admirador de Alcipe, 27/04/2016

terça-feira, 26 de abril de 2016

Aos meus olhos (terceto poético)

Aos meus olhos eu entrego um verso de solidão
Quero que ele cresça e de semeado viva 
Para ser a vida que sempre quis que não passasse em vão


Eustáquio Silva (26/04/2016).  

segunda-feira, 25 de abril de 2016

A que deve-se a precoce perda - Parte I


Amy Winehouse

Como uma cantora de tantos talentos perdeu-se a tal ponto que actuar e vê-la cantar era um suplício? Uma das melhores e maiores vozes de uma geração perdeu-se compulsivamente por conta de problemas sérios com drogas e más companhias a ponto de ser alvo de tantas e tantas discussões sobre quem realmente deu a ela a sentença de morte, já em vida. Prefiro ficar com o seu talento que ignorar a importáncia que tem para tantas pessoas. 


Ian Curtis (Joy Division) 

Este já é um caso diferente. Já tinha em si o ADN do regresso à morte. A depressão e a inconstáncia que eram-lhe peculiares faziam dele uma bomba relógio. Um homem à beira do abismo a falar de amor que irá separar as pessoas. Isto fez dele um elemento que perdeu-se e não teve como recuperar-se. Restou-lhe o suicídio. 
Cabe em esta chávena pelo que representou à música e, precocemente, calou-se. A vida de um músico interfere na de várias outras pessoas e se todos soubessem não deixar-se-iam levar por esta desgraça interna a ponto de perder-se em si. Mas quem sou eu a julgá-lo, pois o vazio interior podia-lhe ser tão forte que não foi possível superá-lo. Mas, de qualquer modo, há-se fazê-lo esta homenagem. 


Kurt Cobain (Nirvana) 

A alguns o último grande talento do Rock n Roll,  a outros um rebelde sem causa. A mim um ícone de minha geração. Cresci a escutá-lo e a admirá-lo. Sabia de seus problemas, mas via em sua música um grito da juventude à sua época. Um dos mais notáveis cantores, ou mesmo, não cantores de sua geração. Se tivesse chance de mais viver seria bem maior do que foi. Mas não poderia. O histórico de vida não o deixava. Um ás perdido. Um homem sem rumo. Um alguém que abominava a fama. Um ser sem acção diante dos factos. Restou-lhe a vida como peso e o peso de sua perda. Infelizmente...


Whitney Houston 

Como bem disse o professor de canto e youtuber Márcio Guerra, alguém que brincava de cantar. Uma voz impressionante. Alguém que galgaria algo ao lado de damas do blues, jazz e soul americanos. Mas sucumbiu às más companhias, as mesmas que acabaram com Amy Winehouse. Perdeu a batalha para as drogas e foi um exemplo de derrota para tantos e tantos de seus fãs. Confesso eu que das quatro pessoas que trouxe à Chávena, ela era a que menos ouvia. Não é de meu género musical preferido. Pero é de um talento incontestável. Faz com a voz o que bem quer. É dona da melhor voz se prestasse a ela a atenção devida. 
Encerra este primeiro momento por achar eu que alongar-me-ia demais em fazer mais observações. Se quiserem nada leiam do que escrevi apenas escutem as perdas que estão dispostas. E verão que virão a repetir aquilo que vos digo em estas poucas e parcas palavras. 


Eustáquio Silva (25/04/2016).  
 


sábado, 23 de abril de 2016

Desilusão

Ele deixou-se sufocar pelos seus sonhos. Pensou viver e poder conquistar. Mas eis que logo veio a realidade. Bolçou-lhe os versos. Varreu-lhe os tempos e a tudo fez viver em seu dissabor. 

Quem não acreditava nele pôs-se a rir de sua aflição. Chamaram-lhe de louco, insano, o inconveniente. Queixosos, pois, não conseguiam voar. 

Até que ele pela vida atreveu-se a si mesmo abandonar. Mas que peso maior pode ter a queda a quem há pouco sabia voar. 








Eustáquio Silva (23/04/2016).

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Aquela verdade de mim, aquela poesia de mim ..

Aquela verdade de mim, aquela poesia de mim...
Aquela sensação de que serei eu a ver a morte agora
De que serei eu a conquistar o último som, última hora
Descem-me ao meu sorriso, são meu fim
Não deixo que transpareça, mas sei que tem um sim
Um sim à vida que acaba, que não volta e, enfim
Cobra e como faz com que eu não tenha demora

O verso de mim, o verso tolo e pequeno de mim, eu
Em minhas palavras, em minhas coitadas palavras
São como as minhas poucas e longas páginas
A depor que o acabou agora já morreu
Sou eu que disse: vou-me embora e doeu
Em mim deixar-me só à sepultura para seu
Destino terminar como quem não tem mais nada

Ai! Ai ai!, a dor no peito que está aqui
O poeta em sua lacrimejante cena
Está aqui, acolá, comigo e contigo, ali
O mundo todo em uma língua trémula
Sempre que eu vá eu não vejo mais problema
Em dizer que o que nada sente, nada deve existir

Eis como cheguei ao verso final



Eustáquio Silva (22/04/2016).

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Mensagem

Enquanto houver beleza
Beleza por ela mesma
Vale a pena fazer versos

Enquanto houver arte
Arte por ela mesma
Vale a pena estar perto dela

Enquanto estiver o dia claro
A noite continuar atraente
Vale a pena conduzir-se ao vinho


Sem isto o mundo simplesmente deixa de existir



Eustáquio Silva (20/04/2016)

terça-feira, 19 de abril de 2016

O romantismo não é derivado de Rousseau

Quais são as principais e mais conectadas ideias que tem-se daqui afora sobre o romantismo - inclusive sedimentadas no mundo afora? 

- O romantismo é uma cisão ao arcadismo em sua essência de remissão ao clássico e em sua índole revolucionária francesa. 
- O romantismo tem no franco-suíço J.J. Rousseau seu elemento teórico-técnico de existência. 

Denego aos dois. 

Rousseau foi sim uma reacção ao iluminismo francês e ao liberalismo inglês. Concebeu as luzes como elemento estranho ao seu filosofar. Há-de lembrar-se, se me permite o leitor, que sua concepção de natureza corruptora de um "bom selvagem" é a mais deturpada de todas as interpretações e 90% de suas explicações académicas são-me ineptas. Rousseau é bem a calhar com um espectro de coisas pouco fixe e pouco correcto e justifica várias teorias dictas democráticas. Ao falar do povo em emanado do povo todos erram ao interpretar com prejuízo à palavra "emanar", visto que emanar cá não é que permaneça, mas que tem fundamento e nem significa que cabe ao povo exercê-lo, em pensamento do pensador francófono. 

Quando à literatura nada mais irrelevante pensar que alguém com o texto de "bom selvagem" fosse inspiração filosófica ao romantismo, mesmo ao de primeira fase. Talvez tenha-se ao Brasil, por exemplo, exceção destacada. Pero ao movimento conflituoso do romántico, seus vícios internos, seus rompantes, seu ímpeto, seu gosto à morte. Todos ingredientes de um poetar não rousseauniano. Não há dúvidas, ao menos a mim, de que Rousseau não tem efectiva participação na construção romántica. Não parte dele causar esta cisão com o clássico, pois tem muito de clássico em este. Não é ele o principal responsável pela liberdade criactiva e pela profusão temática do romántico. 

Digam o que disserem não vejo-o assim. Não é a este Rousseau que li. Pois ao seu atento ponto de equilíbrio teórico Rousseau não é um autor de novidade, mas de ruptura com as luzes, e isto por si só demonstra que este paira num canto à realidade que não o de idealizador da novidade, apesar de ter-se colocado como ideólogo de revoluções, ele não tem o ADN ou não atinge a cimeira do romantismo por absoluta insuficiência de seu pensamento frente à grandeza do movimento literário e filosófico que vê bem mais em Herder e Goethe, em Voltaire e outros, vasos a sua planta nascida. 


Eustáquio Silva (19/04/2016).

O siléncio de Chopin

Nada mais a dizer: apenas ouvis!






Eustáquio Silva ao grande mestre Chopin (19/04/2016).

sábado, 16 de abril de 2016

Poema de meus olhos, logo eu

Se meus olhos são-me a janela, o mundo
Como vi o passado e vejo o que existe
Como veja que sou alegre e que sou triste
Eis o que tenho eu de mais fecundo

Um lúgubre ensaio de notas poucas
Um corpo de uma noite pesada cansada
Que abre as suas janelas o Zéfiro estraga
A sensação mórbida de vida oca

São meus os desventurosos grotões
Até onde elevo eu a minha poesia
E é esta minha profana elegia
De uma vida que para sempre aos rincões

De vala de mundo, quem há de dizer-me
Que por acaso isto que digo meu
Não é só o de mim que já morreu
Ou o que os meus olhos inda julgam ter

É certo que poetas muito fingem
É certo que a poesia lhes é um universo
Fazem da realidade um reverso
Nem sempre querem mostrar o que dizem

Mas quem os meus olhos enganariam?
Quem estes diriam aquilo que não é
Se são tão simples de ver-se, duas Níobes quer
Cada um deles falar o que sentiriam

Por muito menos fez-se noite neste canto
Do mundo que sempre habito
Mas meus olhos vão-me do feio ao bonito
E com eles sou e sou sem espanto



Eustáquio Silva (16/04/2016).  

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Sto. Agostinho e a Estética do Tempo

Mesmo que não seja adepto de credo algum em termos de existência, quero eu demonstrar cá em minha Chávena de mundo o quão profunda é a forma e a beleza da filosofia de Santo Agostinho, Bispo de Hipona, e o quanto a sua reflexão relativa ao tempo cobre-me de deleites em leituras. 

Abaixo cito-o  in literis a vós, ó meus leitores e frequentadores desta Chávena:

Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicar facilmente e com brevidade? Quem poderá apreendê-lo, mesmo com o pensamento, para proferir uma palavra acerca dele? Que realidade mais familiar e conhecida do que o tempo evocamos em nossa conversação? E quando falamos dele, sem dúvida compreendemos, e também compreendemos, quando ouvimos falar dele. O que é, pois, o tempo? Se ninguém mo pergunta, sei o que é, mas se quero explicá-lo a quem mo pergunta, não sei: no entanto, digo com segurança que sei que, se nada passasse, não existiria o tempo passado e, se nada adviesse, não existiria tempo futuro, e, se nada existisse, não existiria tempo presente. De que modo existem, pois, estes dois tempos, o passado e o futuro, uma vez que, por um lado, o passado já não existe, por outro, o futuro ainda não existe? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse ao passado, como é que dizemos que existe também este, cuja causa de existir é aquela porque não existirá, ou seja, não podemos dizer com verdade que o tempo existe senão porque ele tende para não existir (...) (Confissões, Livro XI). 

Que fabulosa elucubração sobre o tempo! Ao tempo que indaga por uma coisa que cerca-nos, e interessa directamente à poesia, faz isto com a subtileza de um grande poeta. Ao decorrer do texto Agostinho responde as inquirições que o trecho de seu texto faz. Assim o faz de acordo com as suas confissões e como este assunto interessa ao romantismo em directo, não poderia deixar de estar aqui e de inspirar a nós de que o passado, o futuro e o presente são formas cabais de um mundo vívido de certezas e de seguranças. 
Mas o que mais queria eu falar-vos é desta maneira de conceber esteticamente ao tempo. Cá estética não é ao que cabe o culto à beleza, mas a experiência, o que diz o vocábulo grego aesthesis em todo seu sentido mais forte e firme. Por isto cabe sim uma admiração ao Bispo de Hipona por sua imensa sabedoria e por sua infinda condicção de ver questões complexas e forma tão agradável e prazerosa. Eis o que a mim é e tem sido as Confissões deste poeta da filosofia. 


Eustáquio Silva (14/04/2016).

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Carta a Alberto Caeiro

Mestre meu, orgulho-me em dizer-lhes algumas palavras


Sei de tua aversão às rimas, conheço-a bem, pois li-vos com a avidez que um miúdo busca a natureza. Faz dela seu lar. E assim vivestes, como um miúdo ao natural e por rimas por demais remetiam ao clássico, ao adulto, ao metafísico, ao platónico, ao aristotélico, regras e regras por demais enfadadas a um poeta da expressão como fostes. Ó Açor dos versos, mas não odieis as rimas vós. Não há motivo. Estas são tão castas quanto as vestais romanas e as musas gregas. São como limas num pomar de laranjas, olivas e figos. Disto não canso-me de dizer-vos: rimar é como respirar, ao certo como expirar: saem de dentro de si e vão-se às páginas, aos rabiscos, aos outeiros que conhecemos.

Concordo convosco com a metafísica desnecessária e pelo sentir em vez de pensar nas cousas. Não à toa sou-te um dos discípulos. A mim a poesia precede a filosofia, mas não leve-me ao mau juízo, mas penso. Penso, mesmo que após sentir muito. E este pensar aflito e activo faz-me um coleccionador de desafectos a coimarem em tranches o meu escrever a sentir. Sabes bem o que é atrever-se, pois toda vida o fizeste. Atrever-se é como subir a uma árvore alta e antiga, aquilo que te faz poder quedar ao chão ao primeiro esforço. 
Como isto agrada-me. Pero como cansa os devoradores de Dioniso despedaçado que polem-se de inveja e rancor e lançar mau olhado ao que escreves até que seque como pimenteira. Mas inspiro-me em vós: escrevo porque é assim que vivo. Viver de uma forma simples. Sem rodeios. A registar em letras aquilo que está a meu arredor. 

Ao fazê-lo, eu sou um travador de batalhas à mar. Licencio-me de ti, pois não vivo em terra, mas à mar. Com turbulências e tempestas próprias. Acho-me fixe a estar a bordo com ondas a querer-me jogar abaixo e isto de haver um profundo de água, de seres marinhos, de outros navegadores a fazer disto uma vida fazem-me distáncia a ti. Mas, mesmo não campesino, vejo teu campo do cais de minha existência e doo-me ao mirar mais de perto a ficar a um pé solto rumo à ínsua das antigas terras de Lusitánia. 

Além da admiração rogo-vos compreensão. Primeiro delicadamente insiro eu o pensar em meus versos e, ademais, as rimas. Mas isto não faz-me um dissidente de teu poetar. Não fazeis com que tenha eu este desgosto. Sou um mísero incipiente versejador perto a ti, grande sol natural de inspiração. Mas acolho-me em guarida nestes versos (mais vezes com rima do que sem elas) por motivos da insegurança de não pisar e sim navegar, por isto a permissão requerida a teus olhos é a que faço agora. E com ela também aludo a meu outro grande mestre Cesário Verde. 

Ó vós seres de palavras profundas envoltas numa simplicidade incessante. Conheço-vos os meandros románticos e os tenho em altíssima conta. Sei eu de vossas grandes proezas e sou eu aquele que vejo o dia mais certo amanhecer. 
O dia de meu tesouro maior. O dia de minha riqueza é conjugar vossos estilos ao de meu pobre e iniciante fazer versos e por isso comunico-vos, bocagiano que também sou, de meu atrevimento e com meu impulso de devoção e acção de respeito. 

Com cumprimentos poéticos 


Eustáquio Silva (13/04/2016).

terça-feira, 12 de abril de 2016

Madrugada

Ao sofrido jovem Werther 


Madrugada que visto com minha dor
Que sei ser meu maior desalento
Como um gole de vinho ao relento
Bebo a necessidade de me decompor

Em tantos eus que não caibam ao poema
Como um mundo profanada e sem chão
Quero eu ser a imensa escuridão
Que qualquer destas linhas tenha

Hoje sou um homem amparado
Na minha força de desfalecimento
A esperar pelo próprio momento
De ser por mim mesmo despedaçado

Prometeu de poesias feito e acabado
Digo adeus ao dia que se aproxima
A trazer-me de novo a sina
De ser eu o único acorrentado


Eustáquio Silva (12/04/2016)

domingo, 10 de abril de 2016

Poesia para ver: Abel Manta


Eustáquio Silva (10/04/2016). 

Baudelaire

Charles-Pierre Baudelaire, um flamêur,  o correspondente francês do inglês Dandy  e do português Boémio. A nove de abril de 1821 viera ao mundo e já imerso no universo romántico da época levou-o ao ponto mais alto, à cimeira, com uma poesia de desilusões e de desastres cuja classificação de Poeta Maldito vem-lhe a calhar. 

Génio, poeta de sangue (tanto literal quanto metaforicamente), do género que os olhos, à imagem, desaguam a melancolia agressiva e o culto da área obscura de todos os dias, merece ele, ah como merece, o título incomum de poeta e grande poeta do século XIX. Os oitocentos não seriam os mesmos sem as suas flores do mal que beiram o grotesco aponto pelo igualmente francês Victor Hugo que em sua teoria literária chamou a este de berço da poesia. O poeta tal qual um cataclismo bolça sobre o mundo e por este é cursado da pior maneira possível, com chacotas, desdém e isolamento. Em todo poeta cuja producção é comparada a elitista e sem sentido, há este sentimento que o cúmulo do romantismo trouxe, pois só a partir daí prestou atenção que não era um ser divino e sim um ser humano que depende do que olhos atentos o digam. 

Mas acima de qualquer digressão ao ser poeta, mesmo que oportuna, Baudelaire merece cá está por tudo que fez e ainda faz pela poesia a transfigurar-se naqueles que nele espelham-se em todas as gerações presentes até hoje. Se joga você, ó poeta iniciante, o jogo das paixões absurdas, do hedonismo lascivo e da lámina que divide a alma, estás com ele em boa companhia. Embriagai-vos como ele mesmo diz de tudo até mesmo dentro desta chávena e o que couber nela. Parabéns a Baudelaire e parabéns a poesia!!! 


Eustáquio Silva (10/04/2016).

sábado, 9 de abril de 2016

Do outeiro de meu mundo

Do outeiro de meu mundo
Vejo moça lá de baixo
A chorar, dizer - O que faço?
Queria viver, mas não posso...

Logo após uma velha senhora
Com alguma coisa à mão
Aos brados lembrando-me o trato
Diz que viver é cumprir obrigação

Eu e minha figueira, de figos recheada
Éramos como uma calçada
Mais alta a vida lá embaixo

Onde passam pessoas todo o tempo
Onde viver é passatempo
Onde calar-se é ver as nuvens a mexer-se lá no céu

Ah, eu queria só voltar ao outeiro
Lá em serra entre trigais
Para de música de pardais
Poder cantar qualquer coisa bonita

Ouvir a música do tempo
Ouvir a semántica do vento
Tocas as flores tão rebuscadas

Melhores que os versos lá de sempre
Uma dama da noite ali logo perto
Fazia-me por completo
Ver como é bom viver assim

O que eu buscava era só um fim
Para este saudoso poema
E vi que o melhor é voltar cena
Aquela que ainda nem escrevi



Eustáquio Silva (09/04/2016). 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Quási (trechos) Mário de Sá Caneiro

Um pouco mais de sol, eu era brasa
Um pouco mais de azul, eu era além
Para atingir faltou-me golpe d'asa
Se eu menos eu permanecesse aquém

(...)


Quási amor, quási o triunfo e a chama
Num baixo mar enganador de espuma
E o grande sonho expressado em bruma
O grande sonho, ó dor, quási vivido...

De tudo houve um começo, e tudo erro...
- Ai a dôr de ser quási, dor sem fim
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim
Asa que se elançou se não voou

Momentos d'alma que desbaratei
Templos aonde nunca pus um altar
Rios que perdi sem os levar ao mar
Ansias que foram mais que escutei

(...)

Um pouco mais de sol, eu fôra brasa
Um pouco mais de azul, eu fôra além
Para atingir faltou-me um golpe de aza
Se ao menos eu permanecesse aquém

Mário de Sá-Carneiro em "Dispersão"


Compartido por Eustáquio Silva (08/04/2016). 



Meu navegar

Meu navegar chega-me perto, ao molhos choro eu
Por uma dor que não inda sinto, por um vulto de tristeza
Todo poeta é como se fosse um sofrido Prometeu
Que ao olhar um rio vê mais que sua longa certeza
De correr e a correr leva consigo o que já foi seu
E agora é coisa de outra sentida dor, que assim seja

Meu navegar é como seco oceano
Vai ao mundo, ruma ao precipício
Lá deita seus desejos, acalma o suplício
E farta-se com o dissabor do plano

Ai! Como eu queria que prometestes
Que a minha maior dor vós diríeis é dia
Acordar-me deste mundo, como sofresse
De uma longa e insepulta letargia
Morro em vida este carma, carma este
Que é meu navegar a melancolia

Meu céu a cinza cor bem remido, oh remido!
É tudo que eu tenho, tudo que possuo
Não culpo a ti pelo que eu destruo
Apenas queria ser de mim esquecido

E só navegar para mesmo longe de mim
Como a esquecer tudo que já viajei
A esta dor que dá-me um suspiro, leva-se assim
Como o tanto que já me desesperei
E queria só que fosse o fim
Aquilo que já senti e que já chorei
Mas não é que navegar é outrossim
Ser o que jamais deixarei de ser e nunca serei



Eustáquio Silva (08/04/2016) 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Eu cantarei um dia da Tristeza - Marquesa de Alorna

Eu cantarei um dia da tristeza
Por uns ternos não ternos e saudosos
Que deixem aos alegres invejosos
De chorarem do mal que não lhes pesa

Abrandarei das penhas a dureza
Exalando suspiros tão queixosos
Que jamais os rochedos cavernosos
Os repitam da mesma natureza

Serras, penhascos, troncos, arvoredos
Ave, montanha, flor, corrente
Comigo hão-de-chorar  de amor enredos

Mas ah! que adoro uma alma que não sente !
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo meus ais inutilmente


Leonor de Almeida Portugal - Marquesa de Alorna  (1750-1839)


Compartido por Eustáquio Silva (07/04/2016).

Como há romantismo em cada literatura

Normalmente é de pensar-se o porquê de o romantismo ser a expressão mais duradoura da literatura em vários países ou a mais presente, mesmo que não em estilo e forma, mais em traducção do que seja poesia e prosa em mundo. Esta acção romántica forte dá-se sob a custódia de uma direcção assumida contida na palavra romantic que quer dizer, naquilo de mais amplo, o que é da imaginação, quem firma-se pela emoção e pela criactividade. Quem não definiria um poeta, a exemplo, destarte? Eis aí a força do impulso do conatus romántico. 

Se é certo que o poeta é um imaginador, um ser da criacção e da elaboração extraída da realidade e se é verdade, como penso ser, que o impetuoso e sensível advém ao racional e métrico ou simétrico, logo primeiro vem Dioniso para que surja Apolo, e nisto está todo conflito do poeta em ser sempre algo entre estes dois extremos, da ribeira romántica à cimeira formalista o literato é, por natureza, um elemento que vibra, a tomar de empréstimo uma expressão de Heidegger, entre o totalmente incomum e o absolutamente ontológico, criador. 

Neste ponto, a descer do Olimpo as palavras, todo poeta é um romántico que faz-se por estilo de verso desta ou daquela escola a ser o romantismo não uma escola, mas uma pressuposição poética. O romance firmou-se como género de escrita, mesmo em crise actualmente, género literário e por ponto próprio de afirmacção todo poeta é um ser que sente dor já dizia Fernando Pessoa, mesmo que a dor que sinta seja expressão poética, seja fingir que sente para que possa melhor ser lido. Nisto em absoluto é um fazedor romántico de uma realidade. 

A pronta forma poética é o romántico. O romance é o equivalente prosístico e estético ao poema imaginativo, lírico, profundamente presente num ironista como Oscar Wilde do De Profundis ou no realismo de Machado de Assis ao falar de o que há de romance no casmurro Bentinho e sua musa. Há romantismo, inclusive, a ler-se a tragédia anterior - transformada em drama - e eivada de sentimento pelo romántico inglês ou pré-romántico inglês William Shakespeare - e nisto até as musas árcades e os galanteios, a cantata lírica grega, tudo isto é cheio deste romantic que aludo em bocado acima do texto. 

Romántico é, acima de tudo, aquele que propõe-se aos versos e às letras de modo geral. Eis a questão. 
É isto que quer dizer o título desta provocacção, este acinte a qualquer doutrinador que não goste dos exacerbos do romantismo (escola literária, numa divisão didáctica e não cronológica) enquanto fortuna de verbo literário. Não tomeis vós por uma provocacção que vise o perder-se em querelas e em quezílias desnecessárias, mas apenas como uma acção que provoque discussão e que atraia a atenção que pode ser o romantismo ser ampliado e usado como luneta a ver toda a literatura de antes e depois de este como escola. Já pensastes nisto? 


Eustáquio Silva (07/04/2016).

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Duas frases; Duas certezas


É preciso saber fazer arte!


Ninguém nasceu para ser obscurecido por outrem. 



Eustáquio Silva (06/04/2016). 

terça-feira, 5 de abril de 2016

Apenas vi do dia a luz brilhante - Bocage

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá no Túbal no empório celebrado
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelo Destino, meu primeiro Instante

Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, meu doce agrado
Segui Marte depois, e enfim meu fado
Dos irmãos e dos pais me pôs distante

Vagando a curva terra, o mar profundo
Longe da Pátria, longe da ventura
Minha face com lágrimas inundo

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo
Suspiro pela paz da sepultura


Manuel du Bocage



Compartido por Eustáquio Silva (05/04/2016).

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Aos donos do novo cetro - Sátira

Aos donos do novo cetro, por favor, escutai
De vós não equilibro uma palavra de humor
Só tenho por vós um profundo horror
Pela ponta afiada de vossos punhais
Ora calai-vos e não faças do povo desordem
Arruaceiros!
A vida é liberdade e pães novos
E não um rio sujo
De palavras e discursos de ódio
Não quero ouvi-los, não faleis palavra alguma
Não ouvirei o resmungo de suas agruras
São só fábulas de remissão de não remidos
São só escadas para lugar algum, ao vazio
Vós e os cataclismos somais a mesma coisa
Não vos entendo
A vós donos do novo cetro
Queiras retirar-se de meu recinto de poemas
É uma ordem!
Defendo a gramática de vossas orgias com a língua
Não façais com que possa fazer de vós uma íngua
A acompanhar-me até mesmo em meu espaço de escrever
Não me escutais?
Agora vais!
Não queirais que vos seja consolo
Dói em mim ter que vê-los em meus arredores
A além mar quero logo aportar
Ficar em paz, ver o meu corpo descansar
Dessa podre infâmia de tantos homens e mulheres
Que redondos pensam leis como leite de magnésia
E cobram uns aos outros o que não oferecer de melhor
Vou-me logo
Antes que por vós eu me contamine
Antes que pelo vosso torpor eu me angustie
Saiam da minha página!
É meu último chamado
Tenhais piedade sou só um pobre fazedor de palavras
Um acomodado aos versos
E só neles quero ficar
Longe de vós
Obrigado



Eustáquio Silva (04/04/2016). 

domingo, 3 de abril de 2016

A poesia - Soneto V

Corpo de meu corpo, arte de minha arte, a poesia
Que tens tudo qu'um homem pode pensar em q'rer
Que carregas tudo que possa vir a florescer
Que caminhas por onde só anda a melancolia


E não choras, não gemes, nem gemeria
Se tu, por acaso, da vida fostes algo dizer
Ó poesia, tu consegues a todos entorpecer
É só tocares e o que tocares é realidade, não reveria


Gostaria que todos que te visse, entretanto
Olhassem a teus momentos de tristeza incontida
E pudessem dizer: como são rico estes prantos!


Que regaram e regam todas as mais puras vidas
Que ensinam a conviver com o do mundo desencanto
Até em ti ficarem belas e doces quaisquer feridas



Eustáquio Silva (03/04/2016).

sábado, 2 de abril de 2016

Lusíadas - Cantos I a III - Camões

I

As Armas e os Barões assinalados
Que da ocidental praia Lusitana 
Por mares nunca antes navegados
Passaram ainda além de Trapobana  
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana 
E entre remota gente edificaram 
Novo Reino que tanto sublimaram 


II 

E também as memórias gloriosas 
Daqueles reis que foram dilatando 
A fé, o império, e as terras viciosas 
Da África e da Ásia andaram devastando
E aqueles que por obras valerosas 
Se vão da lei da morte libertando 
Cantando espalharei por toda a parte 
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte

III

Cessem do sábio grego e do troiano
As navegações grandes que fizeram 
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama de vitórias que tiveram 
Que eu canto o peito ilustre lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram
Cesse tudo que a musa antiga canta 
Que outro valor mais alto se alevanta  


Luís Vaz de Camões - Lusíadas 


Eustáquio Silva (02/04/2016).
 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Quando a arte impressiona-me

Esta imagem, a realidade destes olhos em desespero, a condição da arte próxima demais à vida impressiona-me! 
Que genialidade! 
Não importa ao autor, apreciem a obra de arte! 


Eustáquio Silva (01/04/2016). 

Ela caminha em beleza (Lord Byron)

Ela caminha em formosura, como uma noite 
Em que o céu sem nuvens e com estrelas palpitantes 
E o que há de bom em treva ou resplendor 
Encontra-se em seu olhar, em seu semblante 
Ela amadureceu a luz tão branda
Que o céu denega o dia a seu fulgor 


Uma sobra demais, um raio que faltasse 
Teriam diminuído a graça indefinível 
Que em tranças com cor de corvo ondeia
Ou meigamente lhe ilumina a face  
E nesse rosto mostra, qualquer doce ideia 
Como puro é seu lar, como é aprazível 


Nessas feições tão cheias de serenidade 
Nesses traços tão calmos e eloquentes 
O sorriso que vence, a tez que se enrubesce 
Dizem apenas de um passado de bondade 
De uma alma cuja paz com todos transparece 
De um coração de amores inocente 

(Tradução: Fernando Guimarães). 



Eustáquio Silva 01-04-2016. 

quinta-feira, 31 de março de 2016

A arte não passa...

Você não verá a Monalisa deixar de ser admirada. 
Ninguém deixará de ler Romeu e Julieta, Hamlet, Rei Lear, Otelo de Shakespeare.
Ninguém deixará de ouvir Bach, Chopin, Händel, Beethoven, Mozart, Vivaldi... 

Ninguém parará de observar Escher, Filonov, Monet, Cândido Portinari
O Davi não deixará de ser obra de arte 
A arte marginal e citadina de Andy Warhol não será esquecida 
Oscar Wilde e Molière manterão as suas ácidas ironias 

As fotografias continuarão a ser arte 
Camões, Milton, Dante Alighieri e Virgílio, Ovídio, Horácio, Píndaro, todos permanecerão 
A filosofia continuará a ser arte 
A vida continua com arte 
Uma cascata ainda encantará 
A vida abundará 
As folhas sempre cairão ao outono
Cobrirão os caminhos por onde passarmos 

Um filme continuará a encantar
O Poderoso Chefão, E o vento Levou, tudo continuará o mesmo 
The song remains the same 
Uma flor de lótus ainda será vista em trincheiras e envoltas em lama 

A arte, amigos e amigas, não passa! 


Eustáquio Silva (31/03/2016)

Lazarus (no more words)




Just Listen it!



Eustáquio Silva (31/03/2016).

quarta-feira, 30 de março de 2016

Eça de Queirós e o amor (pequeno texto)

O amor, (...) como tu sabes é feito de muitos sentimentos diferentes. Alguém escreveu, creio que fui até eu - que era uma bela flor com raízes diversas. Ora quando uma dessas raízes é a estima absoluta pode ele ao fim de longos anos secar pelas outras raízes, mas permanecer vivo por esta.


Eça de Queirós 


Eustáquio Silva (30/03/2016).  

terça-feira, 29 de março de 2016

A mim o que é uma amizade - Soneto

A mim o que é  uma amizade?
Não duas almas num só corpo
Não encontro de dois rostos
Mas um grau de divindade

Que vai além da realidade
Que vai além da distáncia
Segue forte, mesmo à campa
Segue forte apesar da vida a tarde

Como Moiras o perseguem!, Oh, perseguem
Querem que esta perdura só a noite
Dá-lhe aos gritos ultimatos e açoites
Mas a estas desmoronar não conseguem

Pois da vida elas se erguem
Como família que se escolhe
Como conselho que não dorme
Como dias que apenas se escrevem (jamais apagam)

Ó amizade, terna humana invenção
Que mesmo em tamanha pressa
Mesmo a tantos motivos, esqueça
Até mesmo de um perdão

Sempre vai-se e não conhece
Obstáculo ou descaminho
Um amigo não permanece sozinho
Sempre tem a quem merece

Belo e natural presente
De uma natureza que assina
Tudo na vida vem e declina
Vai e vem, faz-se e desfaz-se sempre

Mas que a amizade continue firme
Como um de vida hino
O que eu agora afirmo
Nunca fui tão sincero ao que disse

Amizade não é uma tolice
Um de poucos sentimentalismo
Amizade é, em verdade, o íntimo
Sentimento de que não acaba-se o vinho

Que lava a alma e deixa sem correntes
Todos os que agora dizem
Todos os que agora vivem
Este grande da vida presente 



Eustáquio Silva (29/03/2016).

domingo, 27 de março de 2016

sábado, 26 de março de 2016

O que vês? Perspetiva.


O que vês? 
Se dionisíaco dirias que vês tudo, o nada, o niilismo, o espancar das trevas antes do rebocar à luz. 
Se apolíneo dirias que falta a claridade, que falta a luminosidade. Que algo está em constante falta. 
Se aristotélico falta-se a simetria. Sem esta qualquer palavra ou medida seria um entinema, um silogismo imperfeito, portanto não silogismo e que há em cada pedaço da imagem um não dizer, um ilógico. 
Se contemporâneo dirias tu, ó leitor, que há um conceito a ser descoberto, parido por uma ideia, por um desvelar e que a ideia está escondido no que "aparece".
Se do senso comum dirias tu que é só um fundo escuro e que não irias estar a perder tempo com isto. Talvez um pouco caeiriano, decerto pertinente dizê-lo. 
Se cartesiano o ápice é de uma imagem a ser preenchida com algum sentido e mais nada. 
E vós? O que estais a ver? 
Qual que é a tua perspetiva?
Qual a tua palavra a ser dicta sobre isto?
É a mesma que digo?
Outra?
Alguma destas?
Qual?



Eustáquio Silva (26/03/2016).

sexta-feira, 25 de março de 2016

Ao dia - Soneto

D'aurora, quão bela eu vejo
Teus olhos lá espelhados
E vou a sentir laçado
O meu maior desejo

A vida, rica, já prevejo
Em até cantos lá alados
Como já a ver o sagrado
Nas bordas do rico rio Tejo

Tu és o que fulgura
Cá átrio de meu sonhar
A toda lá formosura

Eu a trovar, e a trovar
Vou a tua leve e bela candura
Dar a dicto: que é amar!



Eustáquio Silva (25/03/2016)

quinta-feira, 24 de março de 2016

Cláudio Manuel da Costa - Soneto

Soneto 

Estes os olhos são da minha amada 
Que belos, que gentis, que formosos 
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada 

Por eles a alegria derramada 
Tornam-se os campos de, prazer gostosos
Em zéfiros suaves e mimosos  
Toda esta região se vê banhada 

Vinde olhos belos, vinde, enfim, trazendo 
Do rosto de meu bem as prendas belas 
Dai alívio ao mal que estou gemendo

Mas ah! Delírio meu que me atropelas!
Os olhos que cuidei, que estava vendo
Eram (quem crera tal) duas estrelas 


Cláudio Manuel da Costa 


Eustáquio Silva (24/03/2016)



quarta-feira, 23 de março de 2016

Led Zeppelin - Stairway the Heaven


Eu conheci aos Zeppelin por esta música. Em minha juventude a fazer a pergunta: como numa mesma música tem tanto, mas tanto ritmo e coisas diferentes? O começo lento, triste, "And my spirit is crying for leaving..." e, anos mais tarde comecei a compará-la a uma poema romântico. Explosões de todos os sentimentos a significar uma das mais sérias e modernas maneiras de expressar emoções. O triste, o místico, o agressivo, o relativamente violento e novamente a calmaria. Tal qual uma tempesta vivaldiana, em pleno verão, eis aí a máxima de que a música feita como Suíte é uma das dádivas da arte. 

Se comparasse com uma ode de Horácio, o refrão combinaria exatamente o estribilho e há a conexão fortíssima entre o que se diz e o que ouve-se. Um estalido.  Uma chance única  de reequilibrar o que perde-se entre tantos siléncios musicais e tantas vagas entre palavras poéticas. Isto eu vejo em música dos Zeppelin e, apesar de outras grandes canções, esta é insuperável por isto. Um voo de si mesmo e para si mesmo a encurtar a saga sartriana com muita emoção em jogo. 

Não sei qual teria sido o espírito criador desta música e se pretendia alçar voos tão altos. Pensar uma letra, uma harmonia, uma melodia, um conjunto feito destas, pode ser só um trabalho de um músico, mas as vezes, pode ser a elegância de um génio a preparar algo que mostrará uma eternidade. Esta poderá não ser eterna mas demorará muito a deixar de ser escutada. Um tipo de música que tocaria onde estivesse alguém sentava a tomar uma Chávena de Mundo, a buscar outro mundo e a comprá-lo. Por isto cá está, por suposto, a hora de dar-lhe lugar neste espaço. 



Eustáquio Silva (23/03/2016).

Béligca: a face sem arte do poder


Numa guerra não há vencedores, só vencidos. 
Francisco Goya 


Um dia, certo dia, o génio Aristóteles referiu-se à política como arte. A famosa Ars Politica seria uma técnica racional de que homens iriam à praça pública deliberar sobre assuntos concernentes à sua vida, ora pois, e questões de entrada ou não em guerra. Atenas quis, junto a outras cidades gregas, evoluir a tal ponto de colocar ao animal humano uma coisa que não é sua: a liberdade. Liberdade é horizonte e não componente. Liberdade faz-se e não acontece. Mas o enorme pensador da Macedónia nada disto perceber e pôs a guardar elementos de total angústia frente aos que faziam com a guerra. Gregos sabiam guerrear a ponto de Churchill, clássico premier británico, firmar a palavra em que são os heróis que pelejam como gregos e não o contrário. Se hoje os dois vivessem arrepender-se-iam das palavras. 

A guerra é reductível  em sangue. Faz um molho de cadáveres e escoa o que há de pior, o chorume da realidade a contaminar o ideal e a acção de tantos. Mais um exemplo foi o atentado em Bruxelas que fez belgas amanhecerem mortos e tantos outros feridos. A insensatez da guerra, como bem disse um cronista português, que chama-se António Bargão Félix, do conceituado jornal português o Público - a mim o melhor em língua portuguesa -, ultrapassa os limites do bom senso, de qualquer senso. Para quê? A perguntar não cala-se e não pode calar-se. O justo destas questões é que morre-se. Pessoas que iam a um café saciar a sua forme não regressam. 

Enquanto grupos terroristas existirem irá existir não uma cruzada religiosa, mas um plano de conquistar o poder. De destruir civilizações inteiras. De fazer-se a sangue o outro de refém ou convertê-lo à força. O resultado é um mundo com medo, com receio de abrir as portas para tudo e todos. O insensato venceu ao sensato. O mundo abriga melhor a quem comete-lhe crimes. São protegidos. E isto chamusca em tudo que possa-se pensar de mundo. Eu, em particular concepção, posso dizer que o mundo é um bando de corpos mortos deitados ao chão, a conter certa dignidade justamente porque são inocentes, mas sem protecção dos estados e a prender-se só inocentes enquanto os verdadeiros culpados caminham livremente por aí. 

 Meus sentimentos, ó Bélgica! 
Meus sentimentos parentes de mortos e feridos e os próprios feridos.


Eustáquio Silva (23/03/2016).  

terça-feira, 22 de março de 2016

Quando Napoleão acertou na frase

Assim falou Napoleão Bonaparte, a independer de sua queda pelo terror e pela megalomania, este foi sincero ao dizer com toda a franqueza:



As pessoas defendem com mais entusiasmo a seus próprios interesses do que a seus próprios direitos. 


A pensar bem eis aí um pensamento que condiciona o indivíduo ao mais bestial dos sentidos, garantir-se com o que há de melhor. O mais poderoso, o mais rico, o mais ostentoso. Una-se a isto o facto directo que qualquer cidadão lerá atónito, uma pessoa é capaz de tudo para ver-se decantada nestes mesmos pontos. 

Enfim.. 




Eustáquio Silva (22/03/2016).  


O amor é fogo que arde - Luiz Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Camões 


Postado por Eustáquio Silva (22/03/2016). 

segunda-feira, 21 de março de 2016

Johan Sebastian Bach e a arte em excelência


É sim como o nascer de estrelas em uma galáxia. É como o desabrochar dalguma flor em um prado aos verdejos. J.S. Bach é simplesmente o suprassumo da energia artística e do fazer arte que Vergílio Ferreira tanto aludira em sua "Aparição". 

A vantagem da arte é que toca a quem não a fez do mesmo modo de que toca a quem a faz. Não obstante é difícil metrificar aquilo que passava ao coração e à mente de um tão grande compositor quando dispôs a si dos mais próprios e encantadores pedaços de notas musicais numa colagem de beleza e pureza inigualáveis. O acto de criar ganha sombras de riqueza e complexidade com um Bach a irradiar da natureza uma Ária como estas. 

Um sentimento de tamanho fulgor e visão que mais parece a visão do paraíso, do Elísio campo que recobre qualquer culto à natureza, pagão ou não. Estou inebriado desta comoção e por isto expresso-a sem medo de parecer ridículo. Cantem comigo e troquem o mundo lá fora por esta incandescente arte que trago-vos cá. 

Aproveitai! 



Eustáquio Silva (21/03/2016). 

A arte não é; sente-se

Outro dia perguntaram-me: o que é arte a ti? Disse eu que não sabia. O indagador indignado: mas como não, pois? Se tu vives a falar dela como se dela entendesse até as conas (Foi chulo eu sei, mas é o que sempre vos digo, nem em todos há paciência ao diálogo)? Justamente por isto, eu respondi a tentar argumentar é que não há conheço. Não há consigo captar por completo. 

Ora lá, leitores, arte é emoção, e sei lá eu o que sentis vós ao ver uma escultura, um quadro, a ouvir uma música, a abrir uma garrafa de um bom vinho, a ver u a boa foto/imagem, ao ver o sorriso da pessoa amada, tudo isto é arte. Arte não é um conceito analítico, que eu possa usar somente o verbo ser e tudo está a resolver-se. Não! Eia! Muda de época a época. Transforma-se, mas sempre põe de frente um criador e um apreciador, sempre estes cá estão como mensagem enviada e mensagem recebida. Estarei eu a mentir e a ser desonesto convosco quanto a este amigo?

Todas as vezes que escuto As Quatro Estações de António Vivaldi ou quanto deparo-me com uma imagem da Monalisa de Da Vinci, sou eu outro e a arte também o muda. Neste campo sou heraclítico, pois rios mundo e a arte pode ser dicta um rio que conforma-se em não parar em direcção ao oceano do grande deleite.

Tendo às artes clássicas e árcades, neoclássicas e românticas, mas isto não faz-me dono da verdade sobre a arte. Por isto não sou suficientemente errático a dizer que a arte que faz-me bem aos sentidos é arte. 
Não há como impor-se arte, que, quem escolhe é quem a quer. Temos lá, ora por que não?, as nossas críticas e as nossas gramáticas de percepção e perspetiva artísticas. Aliás, a palavra perspetiva é formidável a dizer de arte. Cada um dos bilhões de seres humanos e até mesmo alguns não-humanos mais evoluídos sabem que há um olhar sobre a arte. Esta forma de olhar é que faz uma latrina colocada por Duschamps arte, coisa que a outros é "modernice" aos litros. Mas é o resultado final o que vem a importar. 

A arte é o sentimento que transborda e que refere-se ao objecto olhado como único. Por isto termino este post indagativo, meio improvisado, eivado de expressões e poucas respostas a mostrar-vos um quadro (arte plástica) e digais vós se é arte vos é ou não. 


A provar que fazer arte não é coisa de seres do século XX e XXI, e que existia, em eras primitivas quem tentasse expressar-se, falar pela arte.


Eustáquio Silva (21/03/2016).

domingo, 20 de março de 2016

Um punhado de Portugal no Brasil - Tomás António Gonzaga

Árcade, por isto interessa-me, genuíno cantor de musas ao estilo luso, mas nascido em Brasil. O arcadismo é a época em que Brasil e Portugal deram-se as mãos e - isto antes da Independência - e produziram uma qualidade poética impressionante, com todas as lutas e correcções a serem feitas, são mundos paralelos à espera de outra grande revolução: a do agir pelo pensar, pelo escrever, pelo falar! 
Lá vai a Lira I - pequeno trecho - da poesia de Gonzaga, sob pseudónimo de Dirceu e como esta questão é extremamente forte em todos os escritores árcades ou neoclássicos. Aproveitai! 


Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


 Tomás António de Gonzaga


Eustáquio Silva (20/03/2016) 

António Diniz da Cruz e Silva - Em defesa da Língua Portuguesa

Desta audácia, Senhor, deste descôco
Que entre nós, sem limite, vai lavrando,
Quem mais sente as terríveis conseqüências
É a nossa português, casta linguagem,
Que em tantas traduções anda envasada
(Traduções que merecem ser queimadas!)
Em mil termos e frases galicanas!
Ah! se, as marmóreas campas levantando,
Saíssem dos sepulcros, onde jazem
Suas honradas cinzas, os antigos
Lusitanos varões, que, com a pena

Ou com a espada e lança, a Pátria ornaram;
Os novos idiotismos escutando,
A mesclada dição, bastardos termos
Com que enfeitar intentam seus escritos
Estes novos, ridículos autores;

(Como se a bela e fértil língua nossa,
Primogênita filha da Latina,
Precisasse de estranhos atavios)
Súbito, certamente pensariam
Que nos sertões estavam de Caconda,
Quilimane, Sofala ou Moçambique;
Até que, já, por fim, desenganados

Que eram em Portugal, que os Portugueses
Eram também os que costumes, língua,
Por tão estranhos modos afrontaram,
Segunda vez, de pejo, morreriam.

António Dinis da Cruz e Silva, in 'O Hissope - Canto V'

sábado, 19 de março de 2016

Quando uma música torna-se arte e história: Outside the Wall Pink Floyd


À primeira mirada vê-se uma música, boa e bem arranjada, mas apenas uma música em estilo escolhido pelos Pink Floyd ao fim de sua carreira. Mas não é só isto. Esta música tem um conteúdo que extrapola-lhe a forma. O conteúdo é, depois de tantos anos presos em si, e com tantos muros a não deixar-te a ver ninguém, o que fazer? Ver que lá fora tantos faziam e fazem muito por si e que a estadia ao inferno das prisões mentais fizeram-te oco de teu sentidos. 

Os seus clamam: venhas connosco e vamos passear ao ar livre! Uma actitude que você passou anos e anos sem conhecer de verdade. Tudo estava preso às pedras de seu pensamento carregado de ódio e rancor e, finalmente, lá fora via-se um mundo intranquilo e complexo, com cismas e cataclismos de vontades. E tu, ó tu, eras só mais um por lá, não um tijolo, mas um elemento a mais, um ser humano diferente a mais. 

Talvez esteja a exageram em análise, mas esta música entra a meu ver à arte pelo viés de que esta pode abraçar-te e salvar-te e pela história porque parece uma premonição da queda do nefasto muro de Berlim e demais governos autoritários que reinavam sobre a Europa. Finalmente um homem ou uma mulher poderiam andar de mãos dadas com a sua própria consciência sem que os gritos de acção e as palavras de ordem ensinassem-lhe a ser e ao que fazer. 

O mundo era outro e você deveria ser outro. Eis a mensagem do filme e da gigante comoção que provoca-me. 
Espero que entendeis vós a vosso jeito e consigam vislumbrar a verdade contida através do muro, para depois do mundo coberto até o topo por muros, sejam seus ou estejam a te cercar. 



Eustáquio Silva (19/03/2016).

sexta-feira, 18 de março de 2016

Dever de um Poeta

O meu passado sempre foi receber
Das horas todas, uma limpa expressão
E transformá-la em vossa forte emoção
Aquilo que, por ventura, venha eu a escrever

Em toda página, toda ela, deve está a aparecer
O mundo p'la minha própria e triste visão
Que eu, em vossos olhos venha a sofrer gran mutação
Para uma poesia, nalgum instante ao mundo vir a ser

Que vós sejais o meu fiel e único julgador
Meus versos possam um dia a vós traduzir
Bem mais que horas, instantes de dor

Vós que leis é para onde quero ir
Para provar-vos que não sou fingidor
Que em meus versos sempre tereis o que sentir



Eustáquio Silva (18/03/2016).

quinta-feira, 17 de março de 2016

Bocage - Soneto à Liberdade

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Por que (triste de mim)! Por que não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia
Oh venha! ... Oh! Venha, e trêmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo
Oculta o pátrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo

Movam nossos grilhões tua piedade
Nosso númem tu és, e glória, e tudo
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!


Bocage - 1797.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Sóror Mariana Alcoforado - Carta I

Considera, meu amor, como fostes excessivamente descuidado! Ai, mal aventurado! - Traíram-te esperanças fementidas. e com elas me enganastes. 
Uma paixão em que bordava tantos deleitosos projetos só pode dar-te, agora, um mortal desespero, apenas comparável à crueldade desta ausência. 

E há de este desterro para o qual todo requinte da minha dor não acha nome assaz funesto, privar-te para sempre de embeber-me nesses olhos em que via tanto amor e que me fizeram conhecer enlevos que me enchiam de contentamento, que eram tudo para mim, que enfim me abastavam a vida?

Os meus olhos é que perderam nos teus a única luz que os animava. Só lhe restam lágrimas, nem eu lhes tenho dado outro emprego senão o de chorar continuamente desde que soube que estavas resolvido a um apartamento de mim tão insuportável que cedo me fará morrer. 

E contudo parece-me que tenho o que quer que seja de enamorado apego às mágoas de que tu só és as causas. 
Consagrei-te a vida desde que em ti descansaram os meus olhos, e sinto em sacrificar-te um místico prazer. 

Mil vezes ao dia te procuram meus cansados suspiros e não me trazem, os tristes, outro alívio a tantas tribulações do que aviso cruamente sincero de minha desventura que não se consente uma esperança e me repete em todos os instantes: - "deixa, deixa de consumir-te em vão, infeliz Mariana deixa de anelar um amado que não tornarás a ver, que passou o mar para e fugir, que está em França no meio dos prazeres, que não pensa um momento nas tuas penas, que te dispensa de todos estes transportes que nem sabe agradecer-tos". 

Não sou eu já bem desgraçada sem me torturar com falsas suspeitas?

Por que hei de esforçar-me em apagar da memória todos os desvelos com que te esmeravas em me provar amor?

Ai tanto me deleitavam eles que bem ingrata fora se não te amasse ainda com os mesmos arroubamentos em que minha paixão me enlevava quando lograva os testemunhos da tua. 

Como é possível que lembranças de tão doces momentos se tenham tornado tão amargas? E que contra a natureza, sirvam somente para dilacerar-me o coração? 
Pobre dele! A tua última carta pô-lo num estado singular: tais saltos me dava no peito que parecia forcejar por arrancar-se de mim e voar para ti. 

Tão quebrantada fiquei, de todas estas emoções violentas que por mais três horas estive toda alienada de sentidos. 
Era como se defendesse de voltar à vida que devo perder de ti, já que para ti a não posso conservar. 
Com bem pesar tornei a mim.
Resgalava-me  sentir que morria de amor, e sentia-me bem finalmente, por ver cessar de flagelar-me a alma, a dor, a tua ausência. 

(...) 

Continua amanhã 


Sóror Mariana Alcoforado. 

Madredeus - Matinal e o 'Existir".



Eu aprendi a gostar do Madredeus ao escutar esta música. A voz docificada de Teresa Salgueiro e o instrumental fúnebre, plúmbleo, de uma atmosfera saída de uma série de campas e de uma constelação de sentimentos tristes. Esta música marcou-me época. Escuto-a sempre que posso e não poderia não estar em minha Chávena de Mundo. 

É um delírio musical cuja musicalidade é pouca, é pequena, é variante. Quem diria que Existir poderia ser cantado em poucas notas e alguns afinos de voz. Exercícios e experiências vocais, até mesmo experimentações. Eis a minha grande paixão a esta música. Ela diz o que queria ouvir e o que queria compor sobre a vida tal como é e não deixa-m escrever cá lá muita coisa. Pois ela diz-se e promete falar-me bem mais do que imaginei. Assim é a música quando toca a aparição de sentidos. 

Nada tenho mais a dizer do que: aproveiteis vossos ouvidos e demais sentidos e sintam esta canção chamada MATINAL do álbum Existir. Texto escrito ao raiar do sol. 



Eustáquio Silva (16/03/2016).

terça-feira, 15 de março de 2016

Por entre os sons da música - Vergílio Ferreira

Por entre os sons da música, ao ouvido
como a uma porta que ficou entreaberta
o que se me revela em ter sentido
é o que por essa música encoberta

acena em vão do outro lado dela
e eu sinto como a voz que respondesse
ao que em mim não chamou nem está nela,
porque é só o desejar que aí batesse.



(Vergílio Ferreira - Conta Corrente I) 

Sonho I - Beira do Tejo

Este era meu olhar, o sol mais baixo, uma mesa comigo, nela meu bloco de anotações algo escrito e junto uma caneta esferográfica e uma chávena de café. Eu mal sabia o que esperava-me naquela visão do Tejo tão bela, o arrebol ao Tejo. 

Vestia-me de preto: todas as peças de roupa e minha visão era toda dela que fazia-me barulhos e pequenos murmúrios de quem estava prestes a tocar o mar com aquelas águas doces e profundas. O Tejo parecia um rapaz apaixonado a correr pelo amor de sua rapariga com tanto entusiasmo como se buscasse nela ao primeiro beijo, a primeira carícia, o primeiro afecto. Amantes, a mar e o rio. Assim o pareciam. Mesmo eu, pobre ser sorumbático, ensimesmado e triste via-me enredado na vida daquele casal belo que a natureza formou. 

Mas certa volta o rio parou. O vento extinguiu-se. A vida revolvida nele cessou. O olhar que olhar a ele, este rio olhou-me. Descobriu-me melancólico à sua margem. Removeu-se. Q'ria a mim dentro de suas águas. Q'ria levar-me ao mar. Queria que eu estivesse totalmente afogado em suas águas correntes.

Parecia dizer-me: - Vem ter comigo! Conversemos dentro de mim! Eu vos tenho atenção! Por que estás tão longe.

Inquieto, eu respondia: - Vou-me, mas não por hora. Estou surpreso com tua oferta! Mas quem sabe conversamos com mais uma chávena de café...

  O seu olhar era de compadecimento. Sentia-me, logo vi, a mesma dor que eu. Apressei-me em por estes poucos pensamentos cravados em papel, eis o acto de escrever: fazer emoções eternas. Mas o rio não respondeu-me. Não dictou-me uma vírgula. Tornou-se um rio triste, um rio de poetas. Um rio que caso embarcasse a nado neste correria o risco de aportar ao Parnasso. Volvi os olhos ao papel e deixei tudo lá descrito, o café em minha chávena já frio foi-me ignorado. Mas ao querer olhá-lo novamente o despertar. Não o vi mais. O Tejo lá está. O Tejo continua aqui. O Tejo está em mim. Mas como queria dizer-lhe que a tristeza passa e a demora é outra... E logo em seu olhar de novo estarei. 



Eustáquio Silva (15/03/2016)

segunda-feira, 14 de março de 2016

Manuel Maria Barbosa du Bocage - Amor a amor nos convida.

Amor a amor nos convida


Com dura e branda cadeia,
Com facho activo e suave,
De seus mistérios co'a chave,
Amor entre nós volteia:
Já deprime, já gloreia,
Já dá morte, já dá vida;
E nesta incessante lida,
Que em si traz, que em si contém,
Com o mal, e com o bem,
Amor a amor nos convida.



Manuel do Bocage
(Décima sobre verso único) 

domingo, 13 de março de 2016

Um conto de Mário de Andrade

Coleção Fronteira - Mário de Andrade
Em primeiro lugar: comprem este livro. Leiam a este livro. Devorem, tal qual o antropofágico a este livro. 
Ele merece ser lido. 

Agora vamos ao conto que precede o discurso das tendências do modernismo. Há de se ter cuidado com a palavra modernismo. Moderno e Novo nem sempre andam de mãos dadas. Escutem quem já está a ler há tempos. 

Lá estava a poesia desnuda, não nua, ou seja, feita sem direito à projectar-se de alguma forma sobre leis e regras. Sem Alexandres e fora de sonetos. Quem a viu assim? Como ela é? Só um, segundo Mário, teria visto a poesia bem como emoção não lapidada e este foi Arthur Rimbaud. Rimbaud fez da poesia um imaginário tal que só ele sentia e via e descobriu séculos de poesia cheia de métrica, regras, estilo para que deixasse-a falar e não só seus modos de expor. 

Mário ainda consagrou a Rimbaud o lugar de poeta inspirador. Aquele miúdo francês que começou a escrever sobre o inferno da existência. Um nato existencialista pessimista. Um trágico. Um desmedido. Um afônico à voz de Apolo. Alguém que jamais conheceu a limites. Este conhecia a poesia justamente por isso. Ah, caros irmãos não olhem a Rimbaud como olha-se a um qualquer. Ele é realmente o que Mário e outros diziam-lhe em passagens marcantes. 

Ademais, e sobretudo, conforme vemos a desnudez da poesia, a esta falta de pudor e de vergonha da poesia só poderia estar alguém com muita sensibilidade. A poética, desde Aristóteles, é arte e o artista é aquele que vê a poesia e depois faz com que os outros a olhem. Como não olhá-la por estes olhos tão vivos e mortos ao mesmo tempo. 

Em breve a passagem do texto que fará com que vocês entendam como Rimbaud conseguiu retirar da poesia toda a forma de véus e adereços estilísticos e fazê-la erupção de emoção. Não tardará. Não irá demorar. 



Eustáquio Silva (13/03/2016).