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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Carta a Alberto Caeiro

Mestre meu, orgulho-me em dizer-lhes algumas palavras


Sei de tua aversão às rimas, conheço-a bem, pois li-vos com a avidez que um miúdo busca a natureza. Faz dela seu lar. E assim vivestes, como um miúdo ao natural e por rimas por demais remetiam ao clássico, ao adulto, ao metafísico, ao platónico, ao aristotélico, regras e regras por demais enfadadas a um poeta da expressão como fostes. Ó Açor dos versos, mas não odieis as rimas vós. Não há motivo. Estas são tão castas quanto as vestais romanas e as musas gregas. São como limas num pomar de laranjas, olivas e figos. Disto não canso-me de dizer-vos: rimar é como respirar, ao certo como expirar: saem de dentro de si e vão-se às páginas, aos rabiscos, aos outeiros que conhecemos.

Concordo convosco com a metafísica desnecessária e pelo sentir em vez de pensar nas cousas. Não à toa sou-te um dos discípulos. A mim a poesia precede a filosofia, mas não leve-me ao mau juízo, mas penso. Penso, mesmo que após sentir muito. E este pensar aflito e activo faz-me um coleccionador de desafectos a coimarem em tranches o meu escrever a sentir. Sabes bem o que é atrever-se, pois toda vida o fizeste. Atrever-se é como subir a uma árvore alta e antiga, aquilo que te faz poder quedar ao chão ao primeiro esforço. 
Como isto agrada-me. Pero como cansa os devoradores de Dioniso despedaçado que polem-se de inveja e rancor e lançar mau olhado ao que escreves até que seque como pimenteira. Mas inspiro-me em vós: escrevo porque é assim que vivo. Viver de uma forma simples. Sem rodeios. A registar em letras aquilo que está a meu arredor. 

Ao fazê-lo, eu sou um travador de batalhas à mar. Licencio-me de ti, pois não vivo em terra, mas à mar. Com turbulências e tempestas próprias. Acho-me fixe a estar a bordo com ondas a querer-me jogar abaixo e isto de haver um profundo de água, de seres marinhos, de outros navegadores a fazer disto uma vida fazem-me distáncia a ti. Mas, mesmo não campesino, vejo teu campo do cais de minha existência e doo-me ao mirar mais de perto a ficar a um pé solto rumo à ínsua das antigas terras de Lusitánia. 

Além da admiração rogo-vos compreensão. Primeiro delicadamente insiro eu o pensar em meus versos e, ademais, as rimas. Mas isto não faz-me um dissidente de teu poetar. Não fazeis com que tenha eu este desgosto. Sou um mísero incipiente versejador perto a ti, grande sol natural de inspiração. Mas acolho-me em guarida nestes versos (mais vezes com rima do que sem elas) por motivos da insegurança de não pisar e sim navegar, por isto a permissão requerida a teus olhos é a que faço agora. E com ela também aludo a meu outro grande mestre Cesário Verde. 

Ó vós seres de palavras profundas envoltas numa simplicidade incessante. Conheço-vos os meandros románticos e os tenho em altíssima conta. Sei eu de vossas grandes proezas e sou eu aquele que vejo o dia mais certo amanhecer. 
O dia de meu tesouro maior. O dia de minha riqueza é conjugar vossos estilos ao de meu pobre e iniciante fazer versos e por isso comunico-vos, bocagiano que também sou, de meu atrevimento e com meu impulso de devoção e acção de respeito. 

Com cumprimentos poéticos 


Eustáquio Silva (13/04/2016).

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