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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Natureza e arte: o Sol do Açores

Cá estou eu a mostrar-vos uma maravilha natural: o sol do Açores! Algo encantador a quaisquer olhos. Deliciem-se! 




Arte desmedida. Arte em estado natural! Arte pela arte é isto! Eis o Açores! 


Eustáquio Silva (28/02/2016)

Nos muros do mar

Nos muros do mar, fui eu
Aquele ao vento debater-se
No fundo olhar-se e ver-se
A que tempo meu mundo nasceu

Sem rectas e dictos, sem sustento
A ver o desgosto aparente
A tragédia que é-se e sente-se
Eu agora espumo sofrimento

Ah, leve brisa, desassossego
Eis aquilo que agora conto
Quero eu comigo um encontro
Para dizer-me o desequilíbrio que vejo

Toda vez que abro a meus olhos fitos
Nesta mar que agora me atinge
Pois este nem mesmo finge
Sou eu mesmo este campo infinito?

Vida, vida, ó vida minha
Avental de meus sonhos, presente
Serei eu este que ao mar ver que sempre
A vida vive-se sozinha?

Que eu saiba de minha careza
Quero a mim sempre encontrar
Nos muros altos deste mar
Em viagem de minha inteireza
Ponham-me a mais bela mesa
Hoje eu quero a vida contar



Eustáquio Silva (28/01/2016) 

sábado, 27 de fevereiro de 2016

O desmedido - Música dodecafónica



A música dodecafónica - de Mariano Cardillo -  e sua opção pela desmedida, pela desmesura, pelo não simétrico possuem lugar de espaço neste blog. 
A fugir da ideia de harmonia, melodia, composição matemática com intervalos e tempos marcados, com ritmo e com paralelismos, a música dodecafónica é nada mais que um exagero. Um desmedido insano e auténtico. 

Cada ponto esvai-se e coloca a música em plano segundo para denotar as sensações, as emoções e as afinações diferentes. Escalas maiores, repetições menos presentes, suposta entropia de notas musicas. Isto faz desta música inigualável. Eis o seu segredo. Caso possam ouvir toda a sinfonia cá colocada façam-no. É preciso para o seu melhor entendimento. 

O dionisíaco derrama-se por linha a linha, numa louca partitura que explode em diversas oportunidades. Eis a seca da nota. Eis a nota de seu alto. 


Convosco a música dodecafónica em seu ápice! 



Eustáquio Silva (27/02/2016)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O trágico e Vincent Van Gogh

Poucos artistas reuniram tão bem a tragédia quanto Vincent Van Gogh. Holandês e fortemente influenciado pela Belle époque de culto impressionista, este não coube ao impressionismo e fez-se, por suposto, um mestre do expressionismo, da expressão pura e da condição trágica que foi o enamorar-se da loucura e da insanidade toda a sua vida. Longas são as formas de ligá-lo a perturbações que fizeram-no mais um artista em constante sofrimento que qualquer algo diferente. Não intento, por hora, falar-lhe da biografia, apenas, e sobretudo, trazer-lhe esta relação com o recanto da tragédia que permeou toda a sua vida. Ao lado tendências ainda impressionistas influencias a sua caveira com um cigarro aceso de 1886, ainda em sua juventude (já que nasceu em 1853 em Holanda) o que foi-se a rumar para um pintor que plasmava a sua loucura dentro de uma tragédia anunciada e cada vez mais presente em sua obra. Eis Vincent Van Gogh em sua fase inicial e já com temática própria que orientou toda a sua vida artística posterior. Cabe salientar-vos que a tragédia está em sua arte, ou seja espelha uma criacção perturbadora condizente com vários elementos incríveis de seu génio. Caso queiram saber mais a fundo a sua vida não faltam fontes e estudos. Porém a sua arte também confunde-se a sua vida. E isto é notório nesta fase em sua juventude e no decorrer do tempo, para quem começou aos 15 anos de idade a lidar com arte em cidade holandesa de Haia, em seu primeiro trabalho, daí o interesse crescente por como expressar, em vez de imprimir coloração artística à sua forma de ver ao mundo. 

Esta outra pintura já demonstra os campos em cores mais quentes e em distorções próprias de sua maturidade. Tal qual um esquizofrénico a pintar um gato, enquanto move-se a doença em estágios superiores, cada vez o gato perde contornos e antevê o excêntrico em sua fisionomia, Van Gogh também retira de cena a nitidez e procura a tragédia nas cores, no traço rabiscado e a arte transforma-se em visão denunciadora de intensidade e insanidade. Cabe cá vê o prenúncio da tragédia. A sua face mais desconfortante. O elemento artístico tipicamente apolínea constrói-se enquanto mar de incertezas e de incomensuráveis polémicas. Eis o dionisíaco que culminou em decepar-se de suas orelhas. Eis o prenúncio de um desequilíbrio cada vez mais eminente. 




Termino o meu giro por imagens a mostrar a substituição das cores frias, típicas do impressionismo pelas cores quentes, típicas do expressionismo. Neste quadro a transição causa-nos um contraste. O frio e o quente em uma mesma pintura. Cabe-nos desacelerar a visão ou acumular-lhe uma senda mais presente. Eis o condicionamento mais próprio da arte. Viver entre histórias e entre concepções próprias. Viver entre a falta e a coloração das coisas. Eis o predomínio do vivo e morto, do vivente e do que está a morrer numa mesma tela. A arte de Van Gogh fala da transição rumo à loucura, que é, ao artista, a pior das tragédias. O elemento deflagrador de um período vazio de si e pleno de arte. O abismo de criar ante o precipício do perder-se. Q'ria eu que pudéssemos nós todos construir uma ponte entre a pintura da caveira e a pintura destas flores. A distáncia do elemento requintado do introspectivo para a perspetiva gritada do extrovertido, do vomitado, do que está a descer e escorrer pela tela. Eis a principal característica do Van Gogh homem da arte, um homem que jamais aquietou-se num apolíneo e que desceu ao infernal e tenebroso universo dionisíaco. Mais um dos que vêm a este blog para compor a série trágica iniciada por Alexandre, o Grande. Vejais ó vós que as linhas são pouco delineadas no tempo. Eis aquilo que quero-vos passar. O tempo é movimento frenético e dissolvido em personagens, elástico que aponta a cada vez a uma direção diferente e em várias formas de arte. Careço-vos de explicar a presente de Van Gogh? Creio que a tragicidade de sua vida fala por este e denuncia toda a sua compleição ao assimétrico, ao distante de forma e eivado de conteúdo. 


Eustáquio Silva (25/02/2016)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O trágico na arte: Kurt Cobain.

Talvez não tenhais vós parado a escutar alguma coisa composta por este homem, ou lido algumas de suas letras, mas eu vos digo, sem medo de erros, que deste brotava toda a concepção de tragédia que abater-se-ia por sobre a sua vida. O contacto com a vida fazia mal a esta perturbada psiqué e isto fazia-o não possuir máscaras, que deixariam-no como anestesiado frente aos outros. Exposto e perante toda a dor interna externalizada por suas composições, Kurt Cobain, líder e cantante de Os Nirvana resumia em todo o sentido aquilo que era ser alguém fadado à tragédia, não só pela sua bipolaridade presente (depressão-agressividade) como em sua fragilidade em lidar com o sucesso, com as luzes e com os assobios e outros comportamentos do público. 

A olhos  vistos a banda não era virtuosa, mas estava a passar sempre uma atmosfera de insanidade e verdade que não há dentre outras. A banda que ele era. A banda que tinha a sua característica. Este Cobain não media esforços para fazer sangrar suas letras e cifras. Rimava, por suposto, desamor e dor, a falar em diferente de Caetano Veloso. E isto causa-me até um espanto incomensurável. Por quanto tempo aguentar-se-ia vivo? A quanto da vida a sua dor aguentaria? Nós hoje o sabemos, foi muito pouco, e não tinha como vingar mais. 

Talvez ao falar de Alexandre, no post anterior, eu tenha em mente falar-vos em continuação deste cantante. Há entre os dois uma tragédia em voga, porém a tragédia deste cá é bem maior, pois o último acto de seu drama foi um impulso de destruição irreversível. Mas ante a dor de sua existéncia, já que este cantou canções como rape me (estupre-me), lithium, entre outras, que denunciavam em suas notas o desespero de alguém sem chão, sem alicerce, cuja vida estava em um fio ténue que não fez outralgo que não romper-se. 

Em vós não precisa estar a vontade de ouvi-lo ou o gosto por sua música, mas penseis, ao menos, em analisá-lo pelo que significou a ele o seu grito, o seu pedido de socorro, a sua pálida forma de denunciar que lá com ele doía e que não estava a suportar mais tamanho cataclismo. Logo a esta óptica, vós ireis identificar qual era a parcela de tragédia que costumavam colocar-se por detrás da agressividade, de cada palavra pain a ser gritada que o justificam por estas paragens. Não é fácil conter tamanho risco à vida e pela vida. Cá está um exemplo claro de que, muitas vezes, não estamos a controlar a nossa própria nau. E quando isto ocorre o pior costuma ocorrer. Eis o exemplo notório disto. Se há quem desconfio, pois vejam então o tamanho da solidão que este mirar ocultam e o quão longa foi a sua pequena vida. 

Não é difícil colocarmo-nos acima de bem e mal e julgarmos tal actitude como insana e pueril, mas um pouco de tragédia em vossa mirada veriam que não costuma estar na razão tais impulsos e é um erro condenarmos nós mesmos ao apolíneo todo o tempo. Em nós carregamos muito de trevas e por isto somos condenados por pequenos actos com consequéncia tão grandiosa. Em suma cá estão as minhas razões de admoestá-los: vocês podem não ter razão desta vez... 


Eustáquio Silva (24/02/2016)

Alexandre, o Grande

Talvez ninguém lembre que não há personagem mais adequada a este blog que Alexandre, o Grande. Um limiar de glória que tornou-o faraó egípcio, filho de Rá e ainda o fez um convite à tragédia. Como em pouco mais de trinta anos alguém ousou chegar ao Olimpo e descer ao Hádes. Um não grego, filho do tão inovador Filipe da Macedónia, que elevou a cultura a teatros gigantescos à beira de penhascos, que ampliavam naturalmente a voz dos atores com suas personas, outro ampliador acústico natural. A acção corria-lhe às veias e trazia-lhe um gosto pelo ouvir as espadas encostarem-se uma a outra. Porém algo fez dela incorporador de culturas cosendo-as ao estilo grego das coisas. 

Ia este da sarissa ao drama e do mundo bélico ao artístico como num passar de penas. Nada fazia-lo temer. Nada trazia-lhe qualquer medo ou receio. Passou por cima da Pérsia, império inimigo dos gregos e atravessou com seus exércitos até os portões da Índia onde teve de regressar e morrer de uma febre misteriosa após ser atingido em batalha. Morreu onde nasceu: a guerrear. Este instinto trágico de saber que viveria pouco  torna-o personagem típico à tragédia e não sei onde estão os dramaturgos, os poetas, os literatos que não viram em sua vida inspiração para arte. A tragédia já é-lhe inerente, própria, qual falta para o seu desenrolar artístico? 

Logo penso eu que há um bloqueio quanto ao personagem, mas se existe não há porquê continuá-lo, pois em benefício desta riqueza de assimilar novas culturas e não querer tesouros à hora da morte, até ser enterrado de mãos ao vento para nada levar à morte, ao julgamento de Anúbis até o passo rumo a perdição que foi regressar de tão longe que foi e retornar depois de tantas perdas e de tantos percalços. Eis uma acção digna de um herói grego como Aquiles em Ilíada. Eis uma acção tão elevada como as de Teseu e outros heróis. A personagem é riquíssima, mas não transbordou em adaptações, não o sei ao certo a razão. Mas espero que diante de sua história melhor contada incite a alguns escrever mais e divulgar mais sobre este elevado cidadão macedónio. Que isto venha a ocorrer em breve para suprir, por suposto, a lacuna existente e devida ao desleixar de certos equívocos acerca dele. É preciso realmente condicionar a visão e veremos que há diversos ícones cuja vida daria uma bela tragédia artística e nada foi feito e um destes é justamente Alexandre, o Grande, cujo nome foi temido por muitos homens só o ouvir dizer. Elevou seu nome ao lugar de mito e nada foi-lhe deixado a não ser poucas páginas em livros de história que preocupam-se com tão pouca coisa quanto possamos imaginar. 


Eustáquio Silva (24/02/2016)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A psicologia de William Shakespeare

E lá vou eu no que denomino regresso à psicologia mesma - termo grego que designa conhecimento da alma - a convocar a vossa atenção para a construção psicológica do dramaturgo inglês. Em vários de seus personagens o drama é aguçado pelo elemento psicológico contido nestes. Aos olhos  aristotélicos de Fernando Pessoa, nisto resido a principal qualidade de Pessoa, a saber: ver as coisas com os olhos sentimentais, característica que vejo eu claramente em Dostoiévski e Kafka, por instáncia, e este sentido de conceber o ser humano por detrás da fala comunga da giganteza de Shakespeare em muitas de suas obras, em destaque Macbeth,  Hamlet e Rei Lear, por acções diferentes, em personagens com ángulos diferentes e com densa narrativa com diferenças conceituais profundas. 

É da sonora rejeição hamletiana de ver a verdade suja e podre que circunda-lhe que nasce, por suposto, a recusa psicológica de alguns temas propostos. E é da sensação de desproteção, também presente em Ésquilo ou Sófocles, de um Rei Lear que advém-lhe a deméncia de sentidos, e, por último a histeria lunática da Lady Macbeth concebida por entre estes passos. Já a Nietzsche concebe-se um Shakespeare grandioso justamente por deparar-se com o trágico, o dionisíaco da realidade e debater-se por um desvio, típico como refugo do poeta, do dramaturgo, de criar realidades tranversais cuja função única é a de aliviar o peso cáustico da verdade ou das verdades acerca da vida. 

Seja em que leitura fizermos nós do autor inglês o "ser ou não ser" reflete o instinto por demasia criador de um psicólogo a olhar para seus pacientes e lê-los de forma exclusiva. A grande ousadia consta nestas linhas. A psicologia shakespeariana pressupõe logicamente ruelas, vias, charnecas à saída do indivíduo oprimido. Campo tem-se para falar-se de uma própria concepção do drama e da tragédia humanas. A tragédia do conhecimento das coisas tais como elas são, enquanto aparecem-nos - este é o único ser que concebemos, pois a esséncia é algo tão distante de nossos dedos e sentidos que não toca-nos a existéncia. Cabe-nos o controlo desta realidade pelos fenómenos a corrermos o risco de demasiada parcialidade em nossas paragens. Há o que meter-se em consideração. Fiqueis vós a pensar sobre o tema. É de grande valia. 



Eustáquio Silva (23/02/2016)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Ode a Anúbis






Cá estás ó Anúbis, símbolo justo
Da Necrópole guardião supremo
Tens de todo o ser mundano, terreno
O saber se foi em vida o que diz além túmulo

Ciente guardião dos mortos em julgamento
És fonte de um bálsamo edificante
De uma curiosidade constante
És o próprio ser em movimento

Q'ria ver-te mais entre os nomes
Do paganismo um dos mais célebres mitos
Para que faça justiça ao ser rito
De grande dono da libra, do teu sangue

Ó governador da sala dos deuses  ornada
Deve jorrar uma brisa viva
Que faça em ti uma pena altiva
A Mameet  toda consagrada

A ti deve-se o cultivo dos mortos
Aos teus caprichos e dedidação
Falo-te como quem retira o coração
Que era ao Egito, da consciência os olhos

Por tempos o Egito de convívio teu
Emprestou ao ocidente significado
De um mundo todo transportado
Aos muros helenos, teu apogeu

De Alexandre, o grande, os feitos pesastes
E destes ao filho do Sol, já em vida
A adornada vida eterna merecida
Tu, de vermelha e azul vestes, o olhastes

Para não caíres ao esquecimento
Teu valor com vida forte sempre feito
Não conhece nem mira qualquer defeito
Ó Anúbis, és o do Hades vindouro movimento

Em teu centro de vida constante
És como o cetro das almas viventes
Medes com tamanha precisão todo ente
Que sobre teus olhos acompanham

Saudosa vida tens, ó pagã divindade
Desde que por Osíris foste concebido
Como um para a glória nascido
De ser portal à eternidade

Julgador, ante Rá tu te colocas
Com altaneira visão de tudo
Espelhas em teus olhos brilhantes muito
Mais do que a vida comporta

Em juramento todos a ti curvam-se
E calados proclamam sua vida à verdade
Nem a ti podem mentir, sabes a exata metade
Que falta em cada testemunho, nobre partícipe

Da primeira sala à imortalidade
Tu és um fiel companheiro
Aos bons, um molho de urtigueiro
Aos que sorrateiros omitem a realidade

Ó Anúbis, ó Anúbis
Aceita junto a ti estes versos
É de quem da morte não esteve perto
Mas que sabe de teu nome, de teu cume

Ante a vida eivada de momentos
Plenos de tua enorme justeza
Façam-te conhecer a tua realeza
Fostes o berço lendário de tantos eventos

Por isso que todos vos cantem
Em dia façam um símile de sinceridade
Pois completarás a outra metade
Com a benevoléncia que outros encantem-te



Arcannus (22/02/2016).

sábado, 20 de fevereiro de 2016

A arte tem vida própria - Platão, tu estavas errado.

Ó Platão, tu estavas errado, ou bem mais educado, o Senhor errou. A arte não imita a realidade como presumistes e bem sabes o porquê desta presunção, pois precisavas manter esta sanha de recuperar o já decadente estado de coisas da antiga Grécia. Querias manter a sanha de uma aristocracia, de uma espécie de governo e situação de pessoas que fugiam ao teu comando. Ó Platão, o que era a tua lição dos três sangues (ouro, prata e bronze) ligados à arte como mímesis do que pausar o avanço das novas visões de mundo em busca de uma situação desgastada de uma Atenas em início de declínio? 

Por isto sei que não reconhecestes o óbvio: a arte tem vida própria. A arte consegue a vida própria, apesar de ti, ó Platão. Nenhum de teus supostos diálogos, mesmo atribuídos a Sócrates, dava valor devido à arte. Por que, ó Platão, tu não te contentastes em raciocinar que a vida de uma reflexão não é eterna e que o teu pensamento um dia seria revisto por alguém de igual monta que a tua? Muitos o fizeram e depois de ti a arte ganhou um espaço dentro da filosofia: a filosofia da arte e provou-se que um dramaturgo não tem como função apenas provocar catarses, mas criar formas de visão da vida. A arte cria vida. E tu, ó pensador ateniense, não conseguistes visualizar o que teu discípulo Aristóteles viu com clareza, os diversos tipos de criacção ou poiésis. Não te ativestes com cuidado ao que te acercava. Ó Platão começastes a corromper o paganismo da arte; o centro da figura mítica de Dioniso, o criador de mundos a partir das trevas, e não do nada, coisas diversas. Não olhastes em volta e vistes o povo grego a compartilhar de uma sensibilidade cada vez mais ocupada com o que se via em volta. 

A Macedónia, enquanto reino, batia-te à porta. A relação próxima desta com o Egito sempre foi-te desconhecida propositalmente, pois muitos dos teus discípulos ignoravam os sofistas, a torná-los menores do que foram, inclusive ao que chamavam a atenção e a pedagogia que trouxeram. Infelizmente tu ignorastes estatuto à arte e se o mundo tivesse seguido o teu modo de ver a arte, hoje não teríamos arte que sobrevivesse a um passatempo. O que é impensável ante a todos que vemos a olhar a um quadro, a ouvir uma música, a ler um poema, e assim por diante. 

Decerto o teu erro foi notado. E se não tivestes a errar lá trás, ninguém hoje olharia para si e diria: mas como pode ele cometer este erro e mesmo assim ser considerado o berço da filosofia de sistema? Talvez a muitos o teu pensamento só tenha fechado o ciclo dos primeiros a pensar e com Aristóteles tenha-se mudado de estágio. Aristóteles dedicou espaço a Poética, como tecné, como criacção. Embora tu não tenhas dado crédito a teu discípulo macedónio após tua morte, este ultrapassou-te em grandeza. Este soube ser sensível ao nítido à sua frente, embora por ti ainda fosse influenciado. Mas o que deixa as coisas melhores é que este indivíduo abriu milhares de anos de notoriedade à arte e perspetivas múltiplas, uníssonas, polivalentes e assim por diante. Desde um miúdo hoje sabe que uma quadro de Picasso ou um poema de Fernando Pessoa não imitam a natureza, enfim criam natureza. E em muito esta reacção a teu pensamento é como uma revolta de um Atlas que é a arte contra ti que a negastes. 

Ó como teu erro foi uma solução. Ó como teu erro foi um vento astral por sobre a arte e fez-se a justiça devida a esta. Como queria que vistes a tua recusa política como uma solução em definitivo a arte. Tu conformastes, sem o querer, a arte a tudo que significa hoje. Eis teu grande talento. Teu grande prumo. Tua grande virtude. 
Agora tenhas de mim a certeza: não sigo-te em tua depreciação da arte. Não vou consigo até os rincões desta tua incerta e duvidosa opinião. Mas estejas certo: tu precisavas revê-la, mas não o fizeste, agora é tarde. A arte agradece-te, de forma indirecta. E este humilde blog hoje tem mais este tema a tratar por sua causa. Agradeço-te agora eu. 



Eustáquio Silva (20/02/2016)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Ode as Valquírias



Aos palácios de Odin, ó Valquírias
Levai quem de trono heroico a terra habitou
Aqui em chão ouvem-se as liras
Lá em seu rumo levais com fulgor
Por auroras, crepúsculos, entre terras vividas
O absoluto canto do vencedor a seu senhor

De Vahalla aproximas-te com um rompante
Deixas nas curvas do céu um doirado
Oiçam os terrenos a este cavalgar brilhante
Que a terra que cobris agora, o relvado
Que pisas de longe, com majestade estonteante
É o trono aos mais fortes separado

Em tua música, ó Wagner, como soubestes
Reproduzir em dentro de teus temas, a assumir
A vida que está fulgurosa a chegar que soubeste
De ímpeto e força extrema de outrora revestir
A vida que flui das eras e encontra o que fizestes
Como de Odin o palácio dos festins e da vida a consumir

Em violinos e clarinetes, em todos os instrumentos
Criastes e recriastes o véu a se abrir
Para o das Valquírias cavalgar chegasse em momento
De termo a cores vívidas compartir
Eis a tua senhora fala ó compositor de extremos
Mostrastes das aladas Valquírias aladas, as asas a rugir

Ferozes, em caminhos, revoadas
Em torpor, em vida, em sentimento
Eis aqui meu canto de espanto, Valquírias aladas
Sois mais que uma lenda, sois poesia em movimento



Eustáquio Silva (19/02/2016)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A curva da decadéncia: como este mundo tornou-se o que é.

O tema é longo a um post, mas tentarei resumi-lo até que chegue a vós com aspecto vivo. Uma selecção de imagens que te farão entender o quão decadente tem respirado este mundo. 

Certa feita, estava eu a utilizar-me de um comboio e duas senhoras estavam a discutir qual seria a fantasia de carnaval (o deste ano, que já é passado). Fiquei desprovido de qualquer sentido de não escuta, pois o mesmo comboio estava cheio. Pus-me, forçosamente, a escutar a referida conversa. Entre elas havia a dúvida de como e quando usariam a fantasia. Puseram-se a dialogar sobre isto tempos a fio. O que causou-me séria repulsa àquele momento. Entre dictos e petas, findaram as duas senhoras por decidir que usariam a fantasia ao domingo da folia de momo em local central da cidade. Isto após minutos de árduo jogo paupérrimo de palavras. 

Em outra feita, por sua vez, ao ver canal de televisão local em cobertura do carnaval, vi algumas raparigas e um senhor a discutir as fantasias das chamadas agremiações carnavalescas do carnaval carioca e, novamente, um espectáculo de horrores. Uma camada espessa de superficialidade pairava livre por sobre frases que atentavam contra o idioma lusitano. 

Em este dois episódios, como instáncia, vi-me a refletir como pessoas constroem as suas vidas por sobre coisas totalmente corriqueiras. Fazem-se, dessarte, um receptáculo profundo de problemas fúteis e de condições rasas que se edificam na falta de interesse pelo futuro, a resignação frente ao presente e o destemor do que virá. O fatalismo é olvidado. A arte é resumida a algo popular, ou em extrema massificação. A filosofia fala de fantasmas e outros seres imaginários. A sociedade está cada vez mais em náuseas consigo mesmo. A decadéncia perambula em todos os lugares. No sacolejar de pacotes, nas conversas que tem-se. Na falta extrema de sinceridade nas coisas. Habita-se uma terra de contratempos. É como se viéssemos de uma cultura pobre e deficiente sempre a coabitar com uma sensação de que as coisas piorarão. 

Este infortúnio carece de mãos e bocas que mudem-no. Mas aonde foram? Onde estão? Com que direito escondem-se e permitem esta vagueza em mundo? Ora lá que alguns conformem-se com o que veem, mas não lhos dá o direito de permitir que a decadéncia tome de assalto o controlo das coisas. É como se estivéssemos todos parados diante de uma comicidade trágica e reles, púbere. O novo é recusado, o moderno mumificado e o coito do efêmero jaz desde a educação até as conclusões ilógicas e vexatórias que toma-se hoje em dia. É primitivo o que estas pessoas colhem. São decadentes, em licença de alguns, de formas nocivas. Não servem como exemplo a não ser jocoso, como acima mencionado. 

A infeliz conclusão é: vivemos a decadéncia como se esta fosse imortal. Alguns a querem e a cultivam como valor inegociável. Outros temem-na, mas nada fazem contra ela. E, de resto, vive-se com esta ilusão como se realidade fosse, em triste passagem de comboio por sobre as mentes vagas que enfeiam a cidade. 



Eustáquio Silva (12/02/2016).  

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Escrever o trágico

Faço primeiro uma distinção importante:

1- Trágico: oriundo de uma tragédia física, catástrofe natural, fenómeno que abate-se sobre várias pessoas e que transforma a vida destas em um algo depressivo ou a uma actitude de negação da vida pelas incertezas e afrontas que nos traz.

2- Forma de ver o mundo. Abrange a primeira e a toma de assalto. Porém vai-lhe além. Seria como dar um salto ao pensamento de que tudo em vida flui e que  sensação de impermanéncia é superior e notória. Vejo isto em leituras como as de Lord Byron, como as de Fernando Pessoa (com Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, em especial), em algumas peças de Shakespeare, em filósofos como Heráclito e Nietzsche e alguns pensamentos existenciais de Pascal. 

Feita distinção o que é escrever o trágico?

Enquanto condição, escrever-se o trágico é, em suma, escrever sobre a vida. É uma escrita densa, profunda, porém vital, complexamente afirmativa e consequentemente forte. Por instáncia, alguém que promova a escritura de um texto cuja intenção seja despertar aos outros a ideia da passagem que a vida é. Da condição existencial imperene, do obstáculo diário e do sofrimento de Prometeu e Sísifo. É denunciar que muitos afastam-se desta vida, por vários motivos, e esquecem-se que viver é eternizar o agora por mais agonizante e macabro que este seja. O trágico sobe as montanhas e avista o abismo de suas pontas. O sábio consome as corredeiras turbulentas de rios e embriaga-se até o último instante que ainda há vida a correr pelas veias. O trágico é precipitação, o trágico é correr ao tempo e fazer-lhe companhia, até sentir nele o seu sentido devorador. O trágico é filho do tempo e como este será devorado, mas não importa-se com esta inevitabilidade, bem mais, vive rapidamente aquilo que mais pode e de maneira mais desmedida. 

Rimbaud foi um trágico em vida e em poesia. Ao inferno que diz ter passado uma temporada denoto que foi, em verdade, um alento, uma ascensão, uma purificação que lhe deu pouca vida cronológica, mas muita vida poética. Este trágico ele o escreveu com o sangue novo e vívido de suas veias e artérias. preveniu-se de guardar qualquer sentimento e jogou a fúria do presente ao papel. Foi isto que o imortalizou. O esplim de Baudelaire nada mais foi do que a sua sensação diante da inconsciéncia de tantos. Parados em algum lugar e nulos ao tempo, as pessoas incomodavam-no. Eram sentinelas do nada e niilismo é sintoma de uma doença incurável que explode em rejeição ao trágico. Ruído primevo. Zaratustra falou ao deserto quando anunciou a tragédia porvir e uma nova espécie de homem com outra moral e outra consisténcia. Este Nietzsche morreu crucificado pela sua ousadia. Fez-se de seus anos de loucura uma completa loucura. Um erro que tornou o seu trágico, um alucinado e esquizofrénico, um macete para escamotear a sua genialidade condensada pela insanidade. Mas desde sempre Nietzsche escreveu o trágico. Foi o trágico. A isto não deve-se falar nada além do que diz ele mesmo: "Escrevi para mim mesmo" - Mihi Ipsi Scripsi - e "Sou um escritor póstumo". 

Na arte de alguns grandes génios o trágico foi o que fora as suas vidas. Um ímpeto, um impulso ao desmedido e desfavorável aparente, mas ao que mais lhes era propício.
Modigliani, Escher em suas perspetivas, Munch e sua fatalidade à vista são-nos exemplos claros de artistas lidos com os óculos da loucura e da insanidade. 
O que me afronta em negar-se o trágico? É negar aquilo que mais parece-se com a vida, com a vida elevada ao sentido ontológico, ao sentido de ser. A vida é uma tragédia sucedida ou complementada por pequenas tragédias, a comédia e rir-se deste ponto da tragédia. A sucessão de pontos pequenos que fazem com que nasçamos e praticamente já saibamos que não viveremos muito, Isto por ser amedrontador é, por si só, um delírio claro de degeneração, de visão da decomposição futuro, do bíblico "ao pó retornarás", uma das passagens felizes desta compilação de livros. 

Diante disto digo-vos, por encerramento: escrever o trágico é senti-lo. Sentir o trágico é mover-se dentro dele. E fazer isto é ser humano em demasiado. 



Eustáquio Silva (09/02/2016).

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Camile Saint-Saëns - Danse Macabre

Nada mais dionisíaco, mais impetuoso, nada mais potente e ostentoso. Um presente a Baco!





Aproveitem e cultuem a boa música sempre e percebam o quanto esta música conclama a uma dose de violenta emoção e de sensualidade a explodir unidas uma próxima a outra. 
É assim que uma música dionisíaca deve comportar-se e ser. Afinal destas coisas fazem-se os grandes números musicais. Uma verdadeira sensação de sinestesia a todo o tempo. 


Eustáquio Silva.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

É carnaval

É carnaval!
As carnes festejam e procuram seus calores. 
A vida pulula e os deuses e deusas dançam
O ritmo mexe o corpo, que impera
É carnaval 
As partes lembram-se que a vida é um desafio
Risco totalmente descalculado

É carnaval. Não pensa-se! Move-se!
Não vive-se, apenas reverencia-se o todo
Não parte-se apenas chega-se
É carnaval é um só e tudo musica 

Se não existisse o carnal 
O carnaval
Inventado seria 
Pois a alma não é limpa
Se o corpo não embriaga-se em dança
É carnaval 


Arcannus (heterónimo de Eustáquio Silva) (07/02/2016).

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Vê-se hoje o que Hamlet viu antes

O que pôs nojo em Hamlet? O que o fez proclamar que algo era podre em seu reino? A realidade. Sim, leitoras e leitores, a realidade. Pura e simplesmente este elemento suficiente para entendermos como são as pessoas, como comportam-se esquemas e como grupos pensam. A um homem de saber supra-histórico, isto é, que transcende a pura ideia de história como factos seguidos, qualquer olhar para trás é um olhar de agora. Passado e Presente reúnem-me numa cimeira de acerto de contas. Acerto este que jamais sai do papel. 

A instáncia oportuna: A Alemanha, mesmo depois de séculos do nazismo, pode ser identificada com este? O sentido e a direção alemã gozam da mesma propriedade, porém não repetem os mesmos atos. Mas a propriedade de que só "filosofa-se em alemão", que só a língua e o país alemão, o deutsche ainda está ou permanece Über Alles regista-se claramente entre o povo, pois faz parte de sua concepção de si mesmo. Ao reino de Portugal antigo soma-se o Portugal de hoje: às armas canta o hino e isto é sintoma de lusitanismo. Não é de hoje. Da Lusitánia, que resistiu por décadas aos romanos, a Portugal, país atual, o mesmo sentimento explode em veias e em minhas veias também o faz. O sentimento de que Portugal não "pereceu". E português é justamente aquele que faz por Portugal. Doa-se por Portugal. É Portugal quando for preciso. 

A história torna-nos habitués do presente enquanto videntes de um passado. Analogia com vinhos: os de uma garrafa são da mesma safra e da mesma videira, logo não importa quando sejam tomados. São do mesmo canto. O indivíduo deve pautar-se a isto. O nojo de Hamlet foi perceber o podre na história, repetido na história, na família, no poder, poder que também tem história. Daí o título do que escrevo: vê-se hoje o que Hamlet viu antes. A análise de pessoas grossas e ignorantes é a mesma, que apossam-se de pedaços do mundo e afugentam ao outro como se fossem detentores do último pedaço de glória de um lugar que só fizeram nascer. Apegam-se a idealismos. O idealismo é pai de uma história que deixa tudo como está e quer que tudo repita-se no futuro. É linear? Não. É espiral. Quer a volta, mesmo que parecida. Retornar ao passado não é habitar nele. Mas para estes idealistas sim. Papéis, acordos, leis, pouco importam. São anteriores a Guttemberg. São anteriores à Revolução francesa. São anteriores ao mundo globalizado e cada vez mais próximo. Interessam-se por picuinhas tão modorrentas quanto desnecessárias. Apodrecem tudo que tocam. Um abuso de tudo. Um abuso de todos os lados. 

Agora mesmo fui vítima deste "como assim português?". Nasceste cá? Não podes sê-lo por um papel. Ou seja, rejeitam o tempo presente e voltam-se a passados tão longínquos que até perde-se de vista. O erro primal é justamente acreditar que elementos de sangue ainda podem determinar, sem documentação, o que se é. Já nascemos etiquetados. Não se é mais filho de X ou Y, ou ainda é-se, mas com provas documentais, ficheiros, cartas e tudo mais, enfim papeis! Portanto, cuidem-se para não cair neste podre hamletiano. Cuidem-se para não atrasarem-se ao tempo e em tempo olhem a história como passado-presente e não como algo que jaz lá atrás. Benjamim sabe mesmo o que é o anjo da história de Klee? 



Eustáquio Silva (02/02/2016)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

We're passengers (Nós somos passageiros)

Nós somos realmente passageiros da vida. Não há o que negar. Inevitavelmente carregamos a culpa ou a tola certeza que queremos sempre viver mais um dia quando, em verdade, tenho um a menos. Mas não é culpa da humanidade, não é culpa do indivíduo, mas de quem é vivo. Para quem é vivo, a morte é um peso enorme. A morte em vida é ainda pior... 

Contudo, nós temos vários aspectos da vida que são-nos caros e que seria de bom tom guardá-los. Em primeiro lugar: se somos passageiros, não tem porquê precisarmos de um molho de motivos para deixarmos uma acção que queremos de lado. Nós temos que aproveitar o momento. Esta é tragédia: viver como não queremos muitas vezes e tirar disto o melhor. Segundo lugar: ninguém fará por nós aquilo que temos a fazer. Em verdade ninguém é por nós melhor do que nós mesmos, daí o egoísmo ser uma opção natural e não moralmente condenável - já que é a moral como é feita que é condenável. Por último, nossos trechos de vida são o que importam e o que herdamos de bom. Por isso o que temos a fazer? Viver hoje. Sentemos ao veículo da vida, em janela por suposto, e vamos à passagem. A passar. Por lugares que queremos conhecer. Com pessoas que queremos ter por perto. Com projectos que queremos construir e realizar e mais outros depois e depois. Com ciência de que passar é o que somos. 

Quer uma definição ontológica melhor para o ser humano do que ser um passageiro? Do que ser um transeunte em vida e da vida? Para onde se vai? Pouco importa. Vai-se a algum lugar. Vai-se a, decerto, a algum caminho. O estanque não funciona. 

Bravo senhor Iggy Pop: somos realmente passageiros. Dioniso não furtar-se-ia a concordar contigo! Assim nós somos e por este foco nós devemos viver. 



Eustáquio Silva.