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quinta-feira, 31 de março de 2016

A arte não passa...

Você não verá a Monalisa deixar de ser admirada. 
Ninguém deixará de ler Romeu e Julieta, Hamlet, Rei Lear, Otelo de Shakespeare.
Ninguém deixará de ouvir Bach, Chopin, Händel, Beethoven, Mozart, Vivaldi... 

Ninguém parará de observar Escher, Filonov, Monet, Cândido Portinari
O Davi não deixará de ser obra de arte 
A arte marginal e citadina de Andy Warhol não será esquecida 
Oscar Wilde e Molière manterão as suas ácidas ironias 

As fotografias continuarão a ser arte 
Camões, Milton, Dante Alighieri e Virgílio, Ovídio, Horácio, Píndaro, todos permanecerão 
A filosofia continuará a ser arte 
A vida continua com arte 
Uma cascata ainda encantará 
A vida abundará 
As folhas sempre cairão ao outono
Cobrirão os caminhos por onde passarmos 

Um filme continuará a encantar
O Poderoso Chefão, E o vento Levou, tudo continuará o mesmo 
The song remains the same 
Uma flor de lótus ainda será vista em trincheiras e envoltas em lama 

A arte, amigos e amigas, não passa! 


Eustáquio Silva (31/03/2016)

Lazarus (no more words)




Just Listen it!



Eustáquio Silva (31/03/2016).

quarta-feira, 30 de março de 2016

Eça de Queirós e o amor (pequeno texto)

O amor, (...) como tu sabes é feito de muitos sentimentos diferentes. Alguém escreveu, creio que fui até eu - que era uma bela flor com raízes diversas. Ora quando uma dessas raízes é a estima absoluta pode ele ao fim de longos anos secar pelas outras raízes, mas permanecer vivo por esta.


Eça de Queirós 


Eustáquio Silva (30/03/2016).  

terça-feira, 29 de março de 2016

A mim o que é uma amizade - Soneto

A mim o que é  uma amizade?
Não duas almas num só corpo
Não encontro de dois rostos
Mas um grau de divindade

Que vai além da realidade
Que vai além da distáncia
Segue forte, mesmo à campa
Segue forte apesar da vida a tarde

Como Moiras o perseguem!, Oh, perseguem
Querem que esta perdura só a noite
Dá-lhe aos gritos ultimatos e açoites
Mas a estas desmoronar não conseguem

Pois da vida elas se erguem
Como família que se escolhe
Como conselho que não dorme
Como dias que apenas se escrevem (jamais apagam)

Ó amizade, terna humana invenção
Que mesmo em tamanha pressa
Mesmo a tantos motivos, esqueça
Até mesmo de um perdão

Sempre vai-se e não conhece
Obstáculo ou descaminho
Um amigo não permanece sozinho
Sempre tem a quem merece

Belo e natural presente
De uma natureza que assina
Tudo na vida vem e declina
Vai e vem, faz-se e desfaz-se sempre

Mas que a amizade continue firme
Como um de vida hino
O que eu agora afirmo
Nunca fui tão sincero ao que disse

Amizade não é uma tolice
Um de poucos sentimentalismo
Amizade é, em verdade, o íntimo
Sentimento de que não acaba-se o vinho

Que lava a alma e deixa sem correntes
Todos os que agora dizem
Todos os que agora vivem
Este grande da vida presente 



Eustáquio Silva (29/03/2016).

domingo, 27 de março de 2016

sábado, 26 de março de 2016

O que vês? Perspetiva.


O que vês? 
Se dionisíaco dirias que vês tudo, o nada, o niilismo, o espancar das trevas antes do rebocar à luz. 
Se apolíneo dirias que falta a claridade, que falta a luminosidade. Que algo está em constante falta. 
Se aristotélico falta-se a simetria. Sem esta qualquer palavra ou medida seria um entinema, um silogismo imperfeito, portanto não silogismo e que há em cada pedaço da imagem um não dizer, um ilógico. 
Se contemporâneo dirias tu, ó leitor, que há um conceito a ser descoberto, parido por uma ideia, por um desvelar e que a ideia está escondido no que "aparece".
Se do senso comum dirias tu que é só um fundo escuro e que não irias estar a perder tempo com isto. Talvez um pouco caeiriano, decerto pertinente dizê-lo. 
Se cartesiano o ápice é de uma imagem a ser preenchida com algum sentido e mais nada. 
E vós? O que estais a ver? 
Qual que é a tua perspetiva?
Qual a tua palavra a ser dicta sobre isto?
É a mesma que digo?
Outra?
Alguma destas?
Qual?



Eustáquio Silva (26/03/2016).

sexta-feira, 25 de março de 2016

Ao dia - Soneto

D'aurora, quão bela eu vejo
Teus olhos lá espelhados
E vou a sentir laçado
O meu maior desejo

A vida, rica, já prevejo
Em até cantos lá alados
Como já a ver o sagrado
Nas bordas do rico rio Tejo

Tu és o que fulgura
Cá átrio de meu sonhar
A toda lá formosura

Eu a trovar, e a trovar
Vou a tua leve e bela candura
Dar a dicto: que é amar!



Eustáquio Silva (25/03/2016)

quinta-feira, 24 de março de 2016

Cláudio Manuel da Costa - Soneto

Soneto 

Estes os olhos são da minha amada 
Que belos, que gentis, que formosos 
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada 

Por eles a alegria derramada 
Tornam-se os campos de, prazer gostosos
Em zéfiros suaves e mimosos  
Toda esta região se vê banhada 

Vinde olhos belos, vinde, enfim, trazendo 
Do rosto de meu bem as prendas belas 
Dai alívio ao mal que estou gemendo

Mas ah! Delírio meu que me atropelas!
Os olhos que cuidei, que estava vendo
Eram (quem crera tal) duas estrelas 


Cláudio Manuel da Costa 


Eustáquio Silva (24/03/2016)



quarta-feira, 23 de março de 2016

Led Zeppelin - Stairway the Heaven


Eu conheci aos Zeppelin por esta música. Em minha juventude a fazer a pergunta: como numa mesma música tem tanto, mas tanto ritmo e coisas diferentes? O começo lento, triste, "And my spirit is crying for leaving..." e, anos mais tarde comecei a compará-la a uma poema romântico. Explosões de todos os sentimentos a significar uma das mais sérias e modernas maneiras de expressar emoções. O triste, o místico, o agressivo, o relativamente violento e novamente a calmaria. Tal qual uma tempesta vivaldiana, em pleno verão, eis aí a máxima de que a música feita como Suíte é uma das dádivas da arte. 

Se comparasse com uma ode de Horácio, o refrão combinaria exatamente o estribilho e há a conexão fortíssima entre o que se diz e o que ouve-se. Um estalido.  Uma chance única  de reequilibrar o que perde-se entre tantos siléncios musicais e tantas vagas entre palavras poéticas. Isto eu vejo em música dos Zeppelin e, apesar de outras grandes canções, esta é insuperável por isto. Um voo de si mesmo e para si mesmo a encurtar a saga sartriana com muita emoção em jogo. 

Não sei qual teria sido o espírito criador desta música e se pretendia alçar voos tão altos. Pensar uma letra, uma harmonia, uma melodia, um conjunto feito destas, pode ser só um trabalho de um músico, mas as vezes, pode ser a elegância de um génio a preparar algo que mostrará uma eternidade. Esta poderá não ser eterna mas demorará muito a deixar de ser escutada. Um tipo de música que tocaria onde estivesse alguém sentava a tomar uma Chávena de Mundo, a buscar outro mundo e a comprá-lo. Por isto cá está, por suposto, a hora de dar-lhe lugar neste espaço. 



Eustáquio Silva (23/03/2016).

Béligca: a face sem arte do poder


Numa guerra não há vencedores, só vencidos. 
Francisco Goya 


Um dia, certo dia, o génio Aristóteles referiu-se à política como arte. A famosa Ars Politica seria uma técnica racional de que homens iriam à praça pública deliberar sobre assuntos concernentes à sua vida, ora pois, e questões de entrada ou não em guerra. Atenas quis, junto a outras cidades gregas, evoluir a tal ponto de colocar ao animal humano uma coisa que não é sua: a liberdade. Liberdade é horizonte e não componente. Liberdade faz-se e não acontece. Mas o enorme pensador da Macedónia nada disto perceber e pôs a guardar elementos de total angústia frente aos que faziam com a guerra. Gregos sabiam guerrear a ponto de Churchill, clássico premier británico, firmar a palavra em que são os heróis que pelejam como gregos e não o contrário. Se hoje os dois vivessem arrepender-se-iam das palavras. 

A guerra é reductível  em sangue. Faz um molho de cadáveres e escoa o que há de pior, o chorume da realidade a contaminar o ideal e a acção de tantos. Mais um exemplo foi o atentado em Bruxelas que fez belgas amanhecerem mortos e tantos outros feridos. A insensatez da guerra, como bem disse um cronista português, que chama-se António Bargão Félix, do conceituado jornal português o Público - a mim o melhor em língua portuguesa -, ultrapassa os limites do bom senso, de qualquer senso. Para quê? A perguntar não cala-se e não pode calar-se. O justo destas questões é que morre-se. Pessoas que iam a um café saciar a sua forme não regressam. 

Enquanto grupos terroristas existirem irá existir não uma cruzada religiosa, mas um plano de conquistar o poder. De destruir civilizações inteiras. De fazer-se a sangue o outro de refém ou convertê-lo à força. O resultado é um mundo com medo, com receio de abrir as portas para tudo e todos. O insensato venceu ao sensato. O mundo abriga melhor a quem comete-lhe crimes. São protegidos. E isto chamusca em tudo que possa-se pensar de mundo. Eu, em particular concepção, posso dizer que o mundo é um bando de corpos mortos deitados ao chão, a conter certa dignidade justamente porque são inocentes, mas sem protecção dos estados e a prender-se só inocentes enquanto os verdadeiros culpados caminham livremente por aí. 

 Meus sentimentos, ó Bélgica! 
Meus sentimentos parentes de mortos e feridos e os próprios feridos.


Eustáquio Silva (23/03/2016).  

terça-feira, 22 de março de 2016

Quando Napoleão acertou na frase

Assim falou Napoleão Bonaparte, a independer de sua queda pelo terror e pela megalomania, este foi sincero ao dizer com toda a franqueza:



As pessoas defendem com mais entusiasmo a seus próprios interesses do que a seus próprios direitos. 


A pensar bem eis aí um pensamento que condiciona o indivíduo ao mais bestial dos sentidos, garantir-se com o que há de melhor. O mais poderoso, o mais rico, o mais ostentoso. Una-se a isto o facto directo que qualquer cidadão lerá atónito, uma pessoa é capaz de tudo para ver-se decantada nestes mesmos pontos. 

Enfim.. 




Eustáquio Silva (22/03/2016).  


O amor é fogo que arde - Luiz Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Camões 


Postado por Eustáquio Silva (22/03/2016). 

segunda-feira, 21 de março de 2016

Johan Sebastian Bach e a arte em excelência


É sim como o nascer de estrelas em uma galáxia. É como o desabrochar dalguma flor em um prado aos verdejos. J.S. Bach é simplesmente o suprassumo da energia artística e do fazer arte que Vergílio Ferreira tanto aludira em sua "Aparição". 

A vantagem da arte é que toca a quem não a fez do mesmo modo de que toca a quem a faz. Não obstante é difícil metrificar aquilo que passava ao coração e à mente de um tão grande compositor quando dispôs a si dos mais próprios e encantadores pedaços de notas musicais numa colagem de beleza e pureza inigualáveis. O acto de criar ganha sombras de riqueza e complexidade com um Bach a irradiar da natureza uma Ária como estas. 

Um sentimento de tamanho fulgor e visão que mais parece a visão do paraíso, do Elísio campo que recobre qualquer culto à natureza, pagão ou não. Estou inebriado desta comoção e por isto expresso-a sem medo de parecer ridículo. Cantem comigo e troquem o mundo lá fora por esta incandescente arte que trago-vos cá. 

Aproveitai! 



Eustáquio Silva (21/03/2016). 

A arte não é; sente-se

Outro dia perguntaram-me: o que é arte a ti? Disse eu que não sabia. O indagador indignado: mas como não, pois? Se tu vives a falar dela como se dela entendesse até as conas (Foi chulo eu sei, mas é o que sempre vos digo, nem em todos há paciência ao diálogo)? Justamente por isto, eu respondi a tentar argumentar é que não há conheço. Não há consigo captar por completo. 

Ora lá, leitores, arte é emoção, e sei lá eu o que sentis vós ao ver uma escultura, um quadro, a ouvir uma música, a abrir uma garrafa de um bom vinho, a ver u a boa foto/imagem, ao ver o sorriso da pessoa amada, tudo isto é arte. Arte não é um conceito analítico, que eu possa usar somente o verbo ser e tudo está a resolver-se. Não! Eia! Muda de época a época. Transforma-se, mas sempre põe de frente um criador e um apreciador, sempre estes cá estão como mensagem enviada e mensagem recebida. Estarei eu a mentir e a ser desonesto convosco quanto a este amigo?

Todas as vezes que escuto As Quatro Estações de António Vivaldi ou quanto deparo-me com uma imagem da Monalisa de Da Vinci, sou eu outro e a arte também o muda. Neste campo sou heraclítico, pois rios mundo e a arte pode ser dicta um rio que conforma-se em não parar em direcção ao oceano do grande deleite.

Tendo às artes clássicas e árcades, neoclássicas e românticas, mas isto não faz-me dono da verdade sobre a arte. Por isto não sou suficientemente errático a dizer que a arte que faz-me bem aos sentidos é arte. 
Não há como impor-se arte, que, quem escolhe é quem a quer. Temos lá, ora por que não?, as nossas críticas e as nossas gramáticas de percepção e perspetiva artísticas. Aliás, a palavra perspetiva é formidável a dizer de arte. Cada um dos bilhões de seres humanos e até mesmo alguns não-humanos mais evoluídos sabem que há um olhar sobre a arte. Esta forma de olhar é que faz uma latrina colocada por Duschamps arte, coisa que a outros é "modernice" aos litros. Mas é o resultado final o que vem a importar. 

A arte é o sentimento que transborda e que refere-se ao objecto olhado como único. Por isto termino este post indagativo, meio improvisado, eivado de expressões e poucas respostas a mostrar-vos um quadro (arte plástica) e digais vós se é arte vos é ou não. 


A provar que fazer arte não é coisa de seres do século XX e XXI, e que existia, em eras primitivas quem tentasse expressar-se, falar pela arte.


Eustáquio Silva (21/03/2016).

domingo, 20 de março de 2016

Um punhado de Portugal no Brasil - Tomás António Gonzaga

Árcade, por isto interessa-me, genuíno cantor de musas ao estilo luso, mas nascido em Brasil. O arcadismo é a época em que Brasil e Portugal deram-se as mãos e - isto antes da Independência - e produziram uma qualidade poética impressionante, com todas as lutas e correcções a serem feitas, são mundos paralelos à espera de outra grande revolução: a do agir pelo pensar, pelo escrever, pelo falar! 
Lá vai a Lira I - pequeno trecho - da poesia de Gonzaga, sob pseudónimo de Dirceu e como esta questão é extremamente forte em todos os escritores árcades ou neoclássicos. Aproveitai! 


Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


 Tomás António de Gonzaga


Eustáquio Silva (20/03/2016) 

António Diniz da Cruz e Silva - Em defesa da Língua Portuguesa

Desta audácia, Senhor, deste descôco
Que entre nós, sem limite, vai lavrando,
Quem mais sente as terríveis conseqüências
É a nossa português, casta linguagem,
Que em tantas traduções anda envasada
(Traduções que merecem ser queimadas!)
Em mil termos e frases galicanas!
Ah! se, as marmóreas campas levantando,
Saíssem dos sepulcros, onde jazem
Suas honradas cinzas, os antigos
Lusitanos varões, que, com a pena

Ou com a espada e lança, a Pátria ornaram;
Os novos idiotismos escutando,
A mesclada dição, bastardos termos
Com que enfeitar intentam seus escritos
Estes novos, ridículos autores;

(Como se a bela e fértil língua nossa,
Primogênita filha da Latina,
Precisasse de estranhos atavios)
Súbito, certamente pensariam
Que nos sertões estavam de Caconda,
Quilimane, Sofala ou Moçambique;
Até que, já, por fim, desenganados

Que eram em Portugal, que os Portugueses
Eram também os que costumes, língua,
Por tão estranhos modos afrontaram,
Segunda vez, de pejo, morreriam.

António Dinis da Cruz e Silva, in 'O Hissope - Canto V'

sábado, 19 de março de 2016

Quando uma música torna-se arte e história: Outside the Wall Pink Floyd


À primeira mirada vê-se uma música, boa e bem arranjada, mas apenas uma música em estilo escolhido pelos Pink Floyd ao fim de sua carreira. Mas não é só isto. Esta música tem um conteúdo que extrapola-lhe a forma. O conteúdo é, depois de tantos anos presos em si, e com tantos muros a não deixar-te a ver ninguém, o que fazer? Ver que lá fora tantos faziam e fazem muito por si e que a estadia ao inferno das prisões mentais fizeram-te oco de teu sentidos. 

Os seus clamam: venhas connosco e vamos passear ao ar livre! Uma actitude que você passou anos e anos sem conhecer de verdade. Tudo estava preso às pedras de seu pensamento carregado de ódio e rancor e, finalmente, lá fora via-se um mundo intranquilo e complexo, com cismas e cataclismos de vontades. E tu, ó tu, eras só mais um por lá, não um tijolo, mas um elemento a mais, um ser humano diferente a mais. 

Talvez esteja a exageram em análise, mas esta música entra a meu ver à arte pelo viés de que esta pode abraçar-te e salvar-te e pela história porque parece uma premonição da queda do nefasto muro de Berlim e demais governos autoritários que reinavam sobre a Europa. Finalmente um homem ou uma mulher poderiam andar de mãos dadas com a sua própria consciência sem que os gritos de acção e as palavras de ordem ensinassem-lhe a ser e ao que fazer. 

O mundo era outro e você deveria ser outro. Eis a mensagem do filme e da gigante comoção que provoca-me. 
Espero que entendeis vós a vosso jeito e consigam vislumbrar a verdade contida através do muro, para depois do mundo coberto até o topo por muros, sejam seus ou estejam a te cercar. 



Eustáquio Silva (19/03/2016).

sexta-feira, 18 de março de 2016

Dever de um Poeta

O meu passado sempre foi receber
Das horas todas, uma limpa expressão
E transformá-la em vossa forte emoção
Aquilo que, por ventura, venha eu a escrever

Em toda página, toda ela, deve está a aparecer
O mundo p'la minha própria e triste visão
Que eu, em vossos olhos venha a sofrer gran mutação
Para uma poesia, nalgum instante ao mundo vir a ser

Que vós sejais o meu fiel e único julgador
Meus versos possam um dia a vós traduzir
Bem mais que horas, instantes de dor

Vós que leis é para onde quero ir
Para provar-vos que não sou fingidor
Que em meus versos sempre tereis o que sentir



Eustáquio Silva (18/03/2016).

quinta-feira, 17 de março de 2016

Bocage - Soneto à Liberdade

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Por que (triste de mim)! Por que não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia
Oh venha! ... Oh! Venha, e trêmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo
Oculta o pátrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo

Movam nossos grilhões tua piedade
Nosso númem tu és, e glória, e tudo
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!


Bocage - 1797.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Sóror Mariana Alcoforado - Carta I

Considera, meu amor, como fostes excessivamente descuidado! Ai, mal aventurado! - Traíram-te esperanças fementidas. e com elas me enganastes. 
Uma paixão em que bordava tantos deleitosos projetos só pode dar-te, agora, um mortal desespero, apenas comparável à crueldade desta ausência. 

E há de este desterro para o qual todo requinte da minha dor não acha nome assaz funesto, privar-te para sempre de embeber-me nesses olhos em que via tanto amor e que me fizeram conhecer enlevos que me enchiam de contentamento, que eram tudo para mim, que enfim me abastavam a vida?

Os meus olhos é que perderam nos teus a única luz que os animava. Só lhe restam lágrimas, nem eu lhes tenho dado outro emprego senão o de chorar continuamente desde que soube que estavas resolvido a um apartamento de mim tão insuportável que cedo me fará morrer. 

E contudo parece-me que tenho o que quer que seja de enamorado apego às mágoas de que tu só és as causas. 
Consagrei-te a vida desde que em ti descansaram os meus olhos, e sinto em sacrificar-te um místico prazer. 

Mil vezes ao dia te procuram meus cansados suspiros e não me trazem, os tristes, outro alívio a tantas tribulações do que aviso cruamente sincero de minha desventura que não se consente uma esperança e me repete em todos os instantes: - "deixa, deixa de consumir-te em vão, infeliz Mariana deixa de anelar um amado que não tornarás a ver, que passou o mar para e fugir, que está em França no meio dos prazeres, que não pensa um momento nas tuas penas, que te dispensa de todos estes transportes que nem sabe agradecer-tos". 

Não sou eu já bem desgraçada sem me torturar com falsas suspeitas?

Por que hei de esforçar-me em apagar da memória todos os desvelos com que te esmeravas em me provar amor?

Ai tanto me deleitavam eles que bem ingrata fora se não te amasse ainda com os mesmos arroubamentos em que minha paixão me enlevava quando lograva os testemunhos da tua. 

Como é possível que lembranças de tão doces momentos se tenham tornado tão amargas? E que contra a natureza, sirvam somente para dilacerar-me o coração? 
Pobre dele! A tua última carta pô-lo num estado singular: tais saltos me dava no peito que parecia forcejar por arrancar-se de mim e voar para ti. 

Tão quebrantada fiquei, de todas estas emoções violentas que por mais três horas estive toda alienada de sentidos. 
Era como se defendesse de voltar à vida que devo perder de ti, já que para ti a não posso conservar. 
Com bem pesar tornei a mim.
Resgalava-me  sentir que morria de amor, e sentia-me bem finalmente, por ver cessar de flagelar-me a alma, a dor, a tua ausência. 

(...) 

Continua amanhã 


Sóror Mariana Alcoforado. 

Madredeus - Matinal e o 'Existir".



Eu aprendi a gostar do Madredeus ao escutar esta música. A voz docificada de Teresa Salgueiro e o instrumental fúnebre, plúmbleo, de uma atmosfera saída de uma série de campas e de uma constelação de sentimentos tristes. Esta música marcou-me época. Escuto-a sempre que posso e não poderia não estar em minha Chávena de Mundo. 

É um delírio musical cuja musicalidade é pouca, é pequena, é variante. Quem diria que Existir poderia ser cantado em poucas notas e alguns afinos de voz. Exercícios e experiências vocais, até mesmo experimentações. Eis a minha grande paixão a esta música. Ela diz o que queria ouvir e o que queria compor sobre a vida tal como é e não deixa-m escrever cá lá muita coisa. Pois ela diz-se e promete falar-me bem mais do que imaginei. Assim é a música quando toca a aparição de sentidos. 

Nada tenho mais a dizer do que: aproveiteis vossos ouvidos e demais sentidos e sintam esta canção chamada MATINAL do álbum Existir. Texto escrito ao raiar do sol. 



Eustáquio Silva (16/03/2016).

terça-feira, 15 de março de 2016

Por entre os sons da música - Vergílio Ferreira

Por entre os sons da música, ao ouvido
como a uma porta que ficou entreaberta
o que se me revela em ter sentido
é o que por essa música encoberta

acena em vão do outro lado dela
e eu sinto como a voz que respondesse
ao que em mim não chamou nem está nela,
porque é só o desejar que aí batesse.



(Vergílio Ferreira - Conta Corrente I) 

Sonho I - Beira do Tejo

Este era meu olhar, o sol mais baixo, uma mesa comigo, nela meu bloco de anotações algo escrito e junto uma caneta esferográfica e uma chávena de café. Eu mal sabia o que esperava-me naquela visão do Tejo tão bela, o arrebol ao Tejo. 

Vestia-me de preto: todas as peças de roupa e minha visão era toda dela que fazia-me barulhos e pequenos murmúrios de quem estava prestes a tocar o mar com aquelas águas doces e profundas. O Tejo parecia um rapaz apaixonado a correr pelo amor de sua rapariga com tanto entusiasmo como se buscasse nela ao primeiro beijo, a primeira carícia, o primeiro afecto. Amantes, a mar e o rio. Assim o pareciam. Mesmo eu, pobre ser sorumbático, ensimesmado e triste via-me enredado na vida daquele casal belo que a natureza formou. 

Mas certa volta o rio parou. O vento extinguiu-se. A vida revolvida nele cessou. O olhar que olhar a ele, este rio olhou-me. Descobriu-me melancólico à sua margem. Removeu-se. Q'ria a mim dentro de suas águas. Q'ria levar-me ao mar. Queria que eu estivesse totalmente afogado em suas águas correntes.

Parecia dizer-me: - Vem ter comigo! Conversemos dentro de mim! Eu vos tenho atenção! Por que estás tão longe.

Inquieto, eu respondia: - Vou-me, mas não por hora. Estou surpreso com tua oferta! Mas quem sabe conversamos com mais uma chávena de café...

  O seu olhar era de compadecimento. Sentia-me, logo vi, a mesma dor que eu. Apressei-me em por estes poucos pensamentos cravados em papel, eis o acto de escrever: fazer emoções eternas. Mas o rio não respondeu-me. Não dictou-me uma vírgula. Tornou-se um rio triste, um rio de poetas. Um rio que caso embarcasse a nado neste correria o risco de aportar ao Parnasso. Volvi os olhos ao papel e deixei tudo lá descrito, o café em minha chávena já frio foi-me ignorado. Mas ao querer olhá-lo novamente o despertar. Não o vi mais. O Tejo lá está. O Tejo continua aqui. O Tejo está em mim. Mas como queria dizer-lhe que a tristeza passa e a demora é outra... E logo em seu olhar de novo estarei. 



Eustáquio Silva (15/03/2016)

segunda-feira, 14 de março de 2016

Manuel Maria Barbosa du Bocage - Amor a amor nos convida.

Amor a amor nos convida


Com dura e branda cadeia,
Com facho activo e suave,
De seus mistérios co'a chave,
Amor entre nós volteia:
Já deprime, já gloreia,
Já dá morte, já dá vida;
E nesta incessante lida,
Que em si traz, que em si contém,
Com o mal, e com o bem,
Amor a amor nos convida.



Manuel do Bocage
(Décima sobre verso único) 

domingo, 13 de março de 2016

Um conto de Mário de Andrade

Coleção Fronteira - Mário de Andrade
Em primeiro lugar: comprem este livro. Leiam a este livro. Devorem, tal qual o antropofágico a este livro. 
Ele merece ser lido. 

Agora vamos ao conto que precede o discurso das tendências do modernismo. Há de se ter cuidado com a palavra modernismo. Moderno e Novo nem sempre andam de mãos dadas. Escutem quem já está a ler há tempos. 

Lá estava a poesia desnuda, não nua, ou seja, feita sem direito à projectar-se de alguma forma sobre leis e regras. Sem Alexandres e fora de sonetos. Quem a viu assim? Como ela é? Só um, segundo Mário, teria visto a poesia bem como emoção não lapidada e este foi Arthur Rimbaud. Rimbaud fez da poesia um imaginário tal que só ele sentia e via e descobriu séculos de poesia cheia de métrica, regras, estilo para que deixasse-a falar e não só seus modos de expor. 

Mário ainda consagrou a Rimbaud o lugar de poeta inspirador. Aquele miúdo francês que começou a escrever sobre o inferno da existência. Um nato existencialista pessimista. Um trágico. Um desmedido. Um afônico à voz de Apolo. Alguém que jamais conheceu a limites. Este conhecia a poesia justamente por isso. Ah, caros irmãos não olhem a Rimbaud como olha-se a um qualquer. Ele é realmente o que Mário e outros diziam-lhe em passagens marcantes. 

Ademais, e sobretudo, conforme vemos a desnudez da poesia, a esta falta de pudor e de vergonha da poesia só poderia estar alguém com muita sensibilidade. A poética, desde Aristóteles, é arte e o artista é aquele que vê a poesia e depois faz com que os outros a olhem. Como não olhá-la por estes olhos tão vivos e mortos ao mesmo tempo. 

Em breve a passagem do texto que fará com que vocês entendam como Rimbaud conseguiu retirar da poesia toda a forma de véus e adereços estilísticos e fazê-la erupção de emoção. Não tardará. Não irá demorar. 



Eustáquio Silva (13/03/2016).

sábado, 12 de março de 2016

Se eu sei se existo?

Gustav Klint
Se eu sei se existo? Valha-me tanto! Isto é saber demais, ter tantas palavras, mas lá vou a tentar ser franco. Ao menos não culpar-me-ão por falta de alguma coisa. 

Desço ao mundo - com as palavras - quando escrevo. 
Para que quero mais? 
Sou Tudo 
Sou Nada 
Sou em tantos que vejo
Morto em tantos olhos
Visto tantos tecidos 
Sinto tantos sabores 
Afinal, sou poeta (mesmo que só de agora) 
E lá vou eu 
Um passo à vida 
Afinal, não sou poeta (poetar não é ser vivo, e sim viver) 
A vida é um passo 
Queres conhecer-me? Conhece-te! Não se sabe nada de fora para dentro... 
Se queres conhecer-te? Cá estou, visto que eu sou e seria seu mundo descoberto. Somos fenómenos. 
Eu oiço teu fôlego
E ele é tão inconstante 
Desculpe-me se eu estou preso ao mundo que vives
A culpa é sua, quem mandou ser-me conhecido?
Mas ao menos em se ser poeta e não-poeta há uma vantagem 
Tu seres a si e eu ser a mim faz um sermos a nós bem prendado 
E que palavras e siléncios guiem-nos
Até mais! 


Eustáquio Silva (12/03/2016)

sexta-feira, 11 de março de 2016

Tudo começa ....

À costa da praia da Vitória havia um miúdo a empinar papagaios, diante de um por do sol que lhe custava o dia. A beleza tão grande e o desenho alimento de felicidade eram a cosedura do papagaio daquele menino. Expia só o que via:


Mar baixo, cor das pedras escuras, a cantar que hora de dormir e não de travessuras, mas o miúdo sentia no vento um aliado ia de canto a canto da Vitória em felicidade. Isto era viver e não debruçar-se em tantos compromissos. 

Por muito muito pouco o miúdo iria noite adentro, como quem pensa como quem age, como quem tenta ser o herói que a Angra dá o nome. Em sua cabeça de criança, fazia sempre a festança e queria por queria que o papagaio subisse mais algo ainda. 

- Ó miúdo tenha lá modos, veja lá a comida a esfriar no prato! 
- Já vou eu mamã! Espera lá a senhora um tantinho que eu sou o miúdo mais feliz agora, veja o vento como gosta de mim! 
- Ora vento gosta de alguém além de si! Só sopra para onde quer ir! Do Funchal em breve é amigo! 
Nem te escondas, pois já é bem a hora! Vamos logo é hora de ir embora! Há criança em ti precisa dormir! 
- Não te aquietes, sei até o seu nome! O vento que lá vem é Firmino e é tão bem apessoado e de mim gosta! 
Não sei se sabia o que dizia, ou era a levar um relha que confessava que só uma desculpa dera para viver mais um pouco de sua aventura. 

Quando é-se miúdo em qualquer quinta do mundo. Só precisa-se de pequena alegria. A vida hoje é tudo que é preciso. Como uma onda chega e bate no chão de areia. Assim era aquele miúdo de Angra que da vida só precisava de uma pouca esperança que aquele dia não acabasse ainda. 

Ó, céu meu, dia meu, tempo meu, minha vida! Eis aquilo que tudo deve tocar! Eu queria era mesmo falar com mais tempo sobre a peraltice de Zeca de Heroísmo. Um Peter Pam às avessas, ou menos refinado, alguém que crescera amarrado ao hábito de sempre ser só alguém a ter algo a contar. 

Da areia de chão batido, do azul de que tão limpo ficou verde. Eis aí o que sempre conhecera. Zeca, Firmino, quem seja, qual seja, todo um mundo. A explodir em vida desde o fundo. Assim se faz uma bela história de miúdos. 



Eustáquio Silva (11/03/2016)

quinta-feira, 10 de março de 2016

É um poeta um fingidor? - Poemas Filosóficos.

É um poeta um fingidor?
Vê ele o que ninguém mais vê?
Traz aos olhos alguma dor?
Tem ele outralgo a dizer?

Se de perguntas faz-se seu olhar
Se de emoções o seu escrever
Sabe ele o que encontrará lá?
Onde habita o alguém que é você?

Se o faz, se é tão venturoso
O que cabe mesmo em seu corpo?
A virtude de ser ele o que é?

Quando seu mundo for só ficção
Não deve esconder ele que é só aparição
Aquilo que essente ele mesmo quis ter 




Eustáquio Silva (10/03/2016).

quarta-feira, 9 de março de 2016

Um de meus mestres: Alberto Caeiro

A espantosa realidade das cousas

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

terça-feira, 8 de março de 2016

Sartre: e o olhar.

Há em Sartre uma preocupação fenomenológica com o olhar que trago-vos cá com todo gosto do mundo. 
Antes de ir à minha versão desta, pois não repetirei o seu exemplo contido no capítulo La visage do seu afamado livro O Ser e o Nada, eu disporei uma observação sobre o que vem-me à mente sobre o olhar. 

O olhar, assim mesmo posto enquanto substantivo, nada tem de um acto puramente físico, típico de qualquer ser vidente, mas o ponto gerado pela atenção do olhar, isto, o fixar do olhar, o olhar detidamente, olhar com a intencionalidade bastante como logo que quer-se ver a ideia pronta e acabada. 
Este tipo de olhar põe-nos como videntes e criaturas extremamente diferentes de outras apenas videntes, vemos e olhamos as coisas. Isto é mais do que usar a um sentido, tão-pouco reduz-se a ler algo contido em uma placa de anúncio ou recado comercial. Nós olhamos para as coisas. Aqui a preposição "para" ocupa papel especial. Vamos ao exemplo:

Eu estou a caminhar pela rua e vejo uma flor e a acho bela. A esta flor nada muda. Continua a ser o que era antes do olhar, mas em mim algo mudou. O olhar a flor fez-me emocionar-me com a sua beleza e dizê-la uma obra de arte. Se em mim penso assim, há quem pergunte o porquê de eu não associar esta flor a um criador desta, mas logo respondo que aí não mais seria olhar, mas pensar a flor. O olhar é simplesmente deter-me frente ao olhado. Eu dou significado a este olhar e isto faz-me dizer sem medo do erro: olho para a flor de forma diferente a que olho para um autocarro lotado ou uma poça de água em uma rua. Percebo esta diferença em olhar a flor que desperta-me sentimentos diferentes. 

Em este ponto estou a isolar o fenómeno flor de todos os outros fenómenos. Opero de tal forma uma reducção fenomenológica, isto é, recrio a visão isolada daquele elemento e, por instantes, ignoro a presença de qualquer elemento alienígena. Opero de forma analítica rumo a uma epoché. Se não fosse assim eu não teria em uma mulher a preferida entre outras, aquela que é isolada do conjunto de outras para que eu permaneça a seu lado em todo tempo. Se não fosse assim a mulher não teria também seu acto de escolha e todas as variantes possíveis. Eis a grande versão de vida que temos ao olhar as coisas. 

A vida torna-se diferente ao olhar. Ao ver com detenção qualquer coisa. Não é preciso migrar à arte, nós podemos ser realmente todos espectadores por natureza. Olhamos ao mundo e nisto não estamos equivocados. 


Eustáquio Silva (o8/03/2016)

A vida - Florbela Espanca - para as mulheres

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo donde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, ó meu Amor, se é isto a Vida!...


Florbela Espanca do Livro Sórror de Saudade 

segunda-feira, 7 de março de 2016

O que atrai-me em literatura portuguesa?


Serei, à medida do possível, objectivo. Repito a cisma: o que atrai-me em literatura portuguesa - prestes a sair do currículo escolar brasileiro, notícia que soube e deixou-me espantado e ensimesmado - como um todo? Vamos às razões. 

Em um primeiro ponto: a literatura portuguesa é uma fonte perene de grandes textos. Em Portugal aprende-se e é-se incentivado a escrever. Não porque um Camões foi português e um Dante fora da Itália, mas porque, tal qual Vergílio Ferreira, escrever é um acto de liberdade. Escrever é uma forma de conformidade emocional e manifestação da própria vida. Em este ponto escrever tem um pressuposto compactível com uma arte em manifestação plena. Não deveria sê-lo assim em todos os lugares pelo mundo? Em muitos o é, mas a insipiência ainda causa-me espanto. Com o advento de técnicas de escrita cada vez mais curtas, pois o romance já entrou em sua crise, a apologia à escrita passou a ser apenas à escrita técnica, não mais à escrita prosaica, longa, que cause-nos enredo e teça-nos uma prisão emocional a qual só saiamos depois do deleite da leitura. Infelizmente o culto ao livro foi desmesuradamente substituído pelo culto a diversas coisas que não a leitura. Um pecado... Uma realidade. O assombro com a escrita e o que é-lhe oculto não agrada a tantos. Mas em Portugal passa a ser um objecto claro de estímulo, como em um rescaldo de verdade. De condicção de ler-se ainda algo novo.  Bolsas, incentivos colegiais, prémios, tudo isto é parte do que faz a literatura portuguesa viva. 

Em um segundo ponto: A literatura portuguesa, ao contrário do que pensa-se, dentre as literaturas lusófonas, é um travado de lutas entre a literatura clássica e a moderna. Claro que em menor molho que os diversos movimentos, todos esquecidos, da literatura brasileira, a ficar só na lusofonia literária. Porém, há autores que engendram leituras fortemente influenciadas por outros campos, tal como a filosofia, tal como a arte em suas outras variantes, tal como ciéncias e modos novos de rebuscar a linguagem. A isto some-se uma gama sempre nova de pessoas que ora são estimuladas ora estimulam-se a criar, até porque acho eu que a literatura, como toda a arte, é um acto criador e já vos disse cá sobre isto. 

Em um terceiro, e por hora último ponto: A literatura portuguesa é em muito auxiliada pela língua portuguesa. Seja em poesia ou em prosa, seja em qualquer gênero literário, a língua portuguesa consome um artefacto riquíssimo à criacção, a ser uma das formas idiomáticas, em verdade, mais propícia à criacção e a renovação literária. A conformação gramatical, as regras estilísticas, a semântica polissêmica e apurada. A sonoridade ímpar, talvez só nivelada ao francês, fazem da língua portuguesa uma pátria à literatura. Em cuidados da literatura portuguesa tudo isto é bastante explorado e condensado em frase de Fernando Pessoa "a minha pátria é minha língua". Some-se a isto o incomensurável e inesgotável reducto de combinações, exploração e de grande valia de palavras. Escrever em português é sentir as palavras pelos seus sons, pelas suas máximas, pela sua quase completa forma rica entre oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. A literatura portuguesa pode fazer versos em três tipos de forma e pode metrificar com um luxo inconfundível. Se estas relações não o forem concebidas, somente o facto de a língua ter um léxico enorme, leque de sinónimos, exército de metáforas e metonímias, com demais figuras de sintaxe, linguagem e estilo, eu vejo em este ponto a constante riqueza de palavra da língua. E, ao meu ver, a palavra rica exala vida à vida, a segunda vida que é a arte. 

Em estes condensados três pontos avalio o registo de um idioma propício ao criador em fazer literatura com estes elementos. Não é-me difícil imaginar arte como seiva poética e prosaica com a língua portuguesa. Penso eu que a riqueza hermenêutica também seja um ponto alto, pois transforma as verdades, que Ferreira fala, como plurais, plenas, pletóricas. Assim eu sentencio, pela minha vivência literária: a língua portuguesa é um dicto à poesia e à prosa, encanta-me. A literatura produzida em terras portuguesas hipnotiza-me ainda mais pela sua fidelidade ao idioma e pela riqueza de escavação da palavra. Só assim faz-se uma literatura verdadeira. 



Eustáquio Silva (07/03/2016)

domingo, 6 de março de 2016

Opinar não é interpretar

Adentro eu ao mundo da filosofia da linguagem, da literatura, da escrita em geral a dizer aquilo que deveria ser conhecimento prévio a todos que pretendem-se escritores, intérpretes, comunicadores de sucesso: digo-vos em tom solene que opinar, emitir vossa opinião acerca de algo, não significa interpretar, isto é, trazer à luz um esclarecimento e tornar a mensagem de um texto primário clara ao leitor. 

Opinar é algo bem simples. Sobre determinado texto ou autor, o escritor debruça-se a tecer comentários subjetivos e pode fazer uso do tema "eu penso", "eu acho", "parece-me", "é-me apropriado" e o resultado é um conjunto de pareceres sobre o assunto. Não há nada além de juízos de valores, coisas oriundas da vivência de cada pessoa em relação àquilo que intentam comentar. Eu penso que a obra de Vivaldi, cuja introdução fiz em post anterior, é boa, isto não é, de forma alguma, interpretar. 

A interpretação advém da hermenêutica e carece de uma explicação breve, porém necessário. Hermenêutica vem do verbo grego hermenein que quer dizer interpretar não a coisas apenas, mas sentidos, textos completos. A mitologia pagã grega traz-nos o deus Hermes, o mesmo da palavra, como aquele que habita ao Olimpo e desce ao mundo a traduzir a vontade dos deuses. Hermes sabe os dois idiomas, as duas formas de pensar e só aferra-se a trazer o dicto de um a outro e vai lá um trabalho daqueles, um molho de coisas a fazer. 

Interpretar, por isto, também é traduzir, compor de forma verossímil aquilo que está em outro contexto sob outra forma. Não é possível precisar o quanto de tradução é possível fazer-se de "well" a "bem", de "bild" até "figura" e assim por diante. Porém aquele que coloca-se ante textos complexos a tentar clareá-los a compreensão é um hermeneuta. Percebei ó vós que interpretar pode ser também compreender de determinada forma. Considerar por certa perspetiva e nisto interpretações substitui o seu relacto anterior de interpretação. 

A curiosa menção de alguém a que opinar é interpretar, soa não só estranha, mas extremamente inábil. A levar-se em conta que há um trabalho em interpretar que inexiste em expressar o que se pensa, logo parece inócua qualquer tipo de comparação de pontos (comparar também adentra ao interpretar, como uma parte de seu trabalho) entre os dois verbos, entre as duas acções. Haveria muito mais a falar-se mais o texto tornar-se-ia demasiado grande a tanto. Portanto fiquemos à promessa de exemplificarmos em outra oportunidade acerca disto. 


Eustáquio Silva (06/03/2016)

O criador Vivaldi: isto é arte


Do sítio do Dornelles - para fins de crédito devido.

O Presto de Vivaldi cá fala-nos de um verão prestes a uma tempestade. Uma completa soma de sentimentos e condições supremas de quando as gotas começam a cair uma a uma. Aqui a arte derrama-se por sobre cada nota. 

Em primeiro lugar vem o verão e sua condição de paragem. Logo após o calor significado por notas cheias dá lugar a uma profusão de notas rápidas, semitons e outros elementos que identificam-se ou podem identificar-se como gotas a cair sorrateiramente a ensopar aos poucos o chão ressequido. Após uma gota vir após a outra, depois vem a tempestade com um duelo fabuloso de violinos que dão a sensação de música a ecoar a chuva torrencial que cai na virtuosidade de Vivaldi. 
Ah, leitores meus, como não iria falar-lhes que ao vislumbrar a arte eu tomo como elemento este tipo de figura. Vivaldi não foi só um génio a compor uma elegia às estações da natureza, mas alguém que soube como ninguém criar a natureza pela música. 

Vós, por um acaso, estais a sentir as gotas a cair por sobre o teu fato? E a senhora não molha-te as vestes tal catarse da própria natureza? Criar é isto! Um acto soberano que evanesce ou é entoado por tempos e viceja em cabeça do artista. Decai sobre as notas e torna a clássica visão do artístico como a de uma jovem rapariga a cantar em bosques chuvosos. O legítimo legado, em verdade, deste engenhoso condensador de sons é o de formar em nossa mente a construção de uma situação. Eu emociono-me. Tenho meu pathos atiçado e erigido por sobre esta gama imortal de sensações sinestésicas. Mexe-me. Toca-me. Sinto, deveras, a tudo que a música diz. Aqui está a minha verdadeira condição de existéncia: sentir. E a Vivaldi coube fazer com que algo faça em mim alguma diferença. 

Deixo-vos com vossas sensações em efervescência e que vós tomais as lições do compositor e criador italiano como máxima: a arte cria a vida e não a imita. 


Eustáquio Silva (06/03/2016)

sábado, 5 de março de 2016

Uma nota sobre a arte

Arte, a meu ver, não é aquilo que chamam de arte, mas aquilo que ela é. Afirmação aristotélica? Talvez. Mas o que perturba-me em questão de arte é justamente o modo como a modernidade conceitua a arte a torná-la tudo que se possa imaginar. 
Exposições de arte mundo afora apenas demonstram excrementos ou uma série de gritos e lá se vai o epíteto arte. Aí reside o perigo. Discordo eu também de que a ideia da arte traduziria a tudo como uma grande questão subjetiva. Arte pode ser perspetiva, mas jamais subjetividade, até porque teríamos nós bilhões de artes e isto não desce-me. 

Já que falei em Aristóteles, eu remeto ao que ele disse da etimologia da palavra arte. Arte em grego advém de tecné que significa técnica. Todo artista, por conseguinte, seria um hábil técnico a fazer de palavras, pedras, sons, tintas algo criado a ser apreciado. Difere do artesão que fabrica. O artista cria. Aqui novamente venho a discordar de Platão: a arte não imita a nada, mesmo quando retracta aquilo que já existe. A arte, em suma, é um tempo diferente, aqui cito Vergílio Ferreira, já que opera enquanto produção de emoções. Notem-me a dizer que a arte produz, cria, e não que a arte é imitação, algo menor e menos importante. Isto tem lá a sua razão de ser. A arte é um epicentro que conforma grandes instintos, impulsos, portanto ela é puro factvm, como nas palavras de Tchaikovsky. 

Haja vista a sua produção e a transpiração que é tecer um poema, um conto, uma sinfonia ou mesmo uma música popular. Arte a meu ver contorna a vida e dá-lhe outro óculos, outra perspetiva. Não uma via auxiliar, mas uma nova rota, uma autoestrada directa  aos sentidos humanos. Esta via, por falta de espaço cá no blog, será explicada em ensaio posterior, no qual irei explorar as várias concepções de arte e exemplares desta, a ser publicado em futuro próximo, mas adianto-vos que eleva-se a um condimento diferente daquele que dão-lhe hoje. A arte tem muitos caminhos, mas não é tudo aquilo que alguém denomina ser arte. Não grita-se: é arte! É preciso reconhecer-se na aparição emocional, mais uma vez a ser vergiliano. É preciso que a obra de arte transmita sentimento e desperte sensações para que seja arte, e aí não importa origem, tão-pouco explicação. Arte explicável e explicada não parece-me arte, mas sim artesanato. Não conformo-me, sobretudo não aceito, que alguém venha-me com excrementos enlatados e exponha como uma vernissage a dizer que cá está a hibridez da arte. Soa-me insano. 

Portanto, caros leitores, a arte convoca-nos a mais reflexões e a resposta à pergunta sobre sua natureza não é rematada para uma forma conceitual, nem semiótica pura. A arte é uma produção costumeiramente forte, advém de uma treva - e não de um nada - e passa a existir suficientemente forte a tanto. 
Eis o segredo de minha nota acerca da arte, em seus trilhos, para a sua foz e que dá-me litros de reflexão. Quem sabe a vossa não poderá ser-me elemento de enriquecimento! Tentemos! Caso queirais vós é só deixar um comentário ou mesmo procurar-me virtual ou pessoalmente. 



Eustáquio Silva (05/03/2016)

sexta-feira, 4 de março de 2016

George Byron - Versos Inscritos numa Taça feita de um crânio

Não, não te assustes: não fugiu o meu espírito
Vê em mim um crânio, o único que existe
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri;
Que renuncie a terra aos  ossos meus
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus.
Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora e;
Substituto haverá mais nobre que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?
    



 Não, não te assustes: não fugiu o meu espírito
Vê em mim um crânio, o único que existe
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.

Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri;
Que renuncie e terra aos ossos meus
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus.

Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora e;
Substituto haverá mais nobre que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?

Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.

E por que não? Se as fontes geram tal tristeza
Através da existência-curto dia-,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.



Eustáquio Silva a publicar texto do Lord Byron (04/03/2016) . 
Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que te  abraça,
E festeje com o morto e a própria rima tente.
E por que não? Se as frontes geram tal tristeza
Através da existência - curto dia -
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.

Ode ao mar

Navegar é preciso, sempre o será
Fugir do estagnado, viver o que virá
Navegar é pensamento, só navegar
Já é força suficiente, já é motivo de amar

As cousas que são humanas, a alegria
O dia que nasce terno, ah o grande dia
A navegar e a achar portos, faça disto sua mania
E depois içar as áncoras pesadas, eis a liturgia

Quem dera a vida fazer votos
Jamais fechar-lhe os olhos
Do mar tornar-me devoto
E viver com seu rosto como espólio

Um inteiro e vívido testamento
Do que seja este divino momento
Navegar não é só um lamento
Navegar é por si um sentimento

Olhes bem, quantas das minhas falas
São a este grande mar, devotadas
São-lhe como grandes armadas
São-lhe como anciãs dádivas

Que esmeram-se pelas suas ondas
Pela sua espuma de crista branca
Que lhe dizem: ó, o que me mandas?
Ó para que e por que me apanhas

Navegar é ver santuários
Sentir-se um relicário
Sair e ver-se pagode caro
De uma vida entre golpes amaros

Aos remos a contornar
Verdes águas, todo o amor
Ver tudo o que se há
O que importa é navegar



Eustáquio Silva (10/02/2016)

quinta-feira, 3 de março de 2016

Escher

A Escher sempre todos os elogios, pois ninguém poria seu autorretrato nestes termos, em perspetivas.

Falo pouco e peço-vos que apreciem a arte em todas as suas nuances.

Caso observem mais sobre o autor ganharão em riqueza e detalhes.

Sintam-se à vontade para tanto!





Eustáquio Silva (04/03/2016)

Vivo a noite

Vivo a noite


Vivo a noite ou a noite me vive
Sinto-a como a mim ser todo tempo
Como se de escuridão fosse
Verso obscuro, um açoite
Um Lázaro antes de ressuscito

A candela que acendo faz-me observar
O quanto sou diferente daquilo que digo
O quanto tão facilmente chamo de amigo
Aquilo que, em verdade nada é, e não há

Vivo a noite ou de noite faço-me presente
Com requinte nos olhos, sou um furacão
Sem ventania, desvario, força, sem nada
Apenas ando de mãos dadas com o absurdo
Achas pouco?

Sim, agora certeza tenho: vivo a noite
E nela deito e deixo-me dormir
Até o pó de tudo sair
E ir embora meu todo tormento 



Eustáquio Silva (01/02/2016). 

terça-feira, 1 de março de 2016

A filosofia trágica como estética

Em meu filosofar a filosofia trágica é uma forma de estética, não só por dar-se em âmbito artístico, mas por tomar da estética elementos próprios. Qual seja, toda filosofia que tome para si a tragédia faz-se uma espécie de arte - seja pintura, escultura, literatura - porque precisa adentrar ao artístico para fazer-se viver. 

Há quem minimize o teor filosófico da estética por achá-la indirecta ou mimética da realidade. Pura fantasmagoria. A arte é objeto da filosofia desde o seu começo: tanto a natural quanto a fabricada, que não imita, mas recria. Ao tomar esta proposição cito-me propenso a achar na tragédia, tal também encontra-se na comédia um porto seguro a inquietações e críticas filosóficas. 

Moldem-me o quanto puderem, mas a arte é um fenómeno analisável pela filosofia, pois é-lhe próximo. O cultivo da arte atiça os sentidos da filosofia. A boa arte, a arte reflexiva, a arte pulsante faz-se notoriamente elemento de dúvidas, incógnitas, paragens filosóficas em resumo de ópera. 

Como não perceber em Shakespeare, Van Gogh, Oscar Wilde, Goethe, entre outros, um elemento de busca e queda constante pela filosofia que há em suas linhas? Como não notarmos que há filosofia do objecto mesmo em Alberto Caeiro e Velázquez? E o existencial em Gaudi? Essencialmente a arte transborda em filosofia e a própria filosofia é uma espécie de arte. 

Agora que vós pensais em o que disse e tireis as próprias conclusões. Eu as espero. 


Eustáquio Silva (01/03/2016).

O trágico entre os versos: Fernando Pessoa e sua autopsicografia

Autopsicografia


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.


Fernando pessoa



Nada à tragédia destes versos tenho eu a acrescer! Não há mais nada a dizer! Apenas contentem-se com estes versos imortalizados pelo poeta português de todo o mundo!



Eustáquio Silva (01/03/2016)