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terça-feira, 8 de março de 2016

Sartre: e o olhar.

Há em Sartre uma preocupação fenomenológica com o olhar que trago-vos cá com todo gosto do mundo. 
Antes de ir à minha versão desta, pois não repetirei o seu exemplo contido no capítulo La visage do seu afamado livro O Ser e o Nada, eu disporei uma observação sobre o que vem-me à mente sobre o olhar. 

O olhar, assim mesmo posto enquanto substantivo, nada tem de um acto puramente físico, típico de qualquer ser vidente, mas o ponto gerado pela atenção do olhar, isto, o fixar do olhar, o olhar detidamente, olhar com a intencionalidade bastante como logo que quer-se ver a ideia pronta e acabada. 
Este tipo de olhar põe-nos como videntes e criaturas extremamente diferentes de outras apenas videntes, vemos e olhamos as coisas. Isto é mais do que usar a um sentido, tão-pouco reduz-se a ler algo contido em uma placa de anúncio ou recado comercial. Nós olhamos para as coisas. Aqui a preposição "para" ocupa papel especial. Vamos ao exemplo:

Eu estou a caminhar pela rua e vejo uma flor e a acho bela. A esta flor nada muda. Continua a ser o que era antes do olhar, mas em mim algo mudou. O olhar a flor fez-me emocionar-me com a sua beleza e dizê-la uma obra de arte. Se em mim penso assim, há quem pergunte o porquê de eu não associar esta flor a um criador desta, mas logo respondo que aí não mais seria olhar, mas pensar a flor. O olhar é simplesmente deter-me frente ao olhado. Eu dou significado a este olhar e isto faz-me dizer sem medo do erro: olho para a flor de forma diferente a que olho para um autocarro lotado ou uma poça de água em uma rua. Percebo esta diferença em olhar a flor que desperta-me sentimentos diferentes. 

Em este ponto estou a isolar o fenómeno flor de todos os outros fenómenos. Opero de tal forma uma reducção fenomenológica, isto é, recrio a visão isolada daquele elemento e, por instantes, ignoro a presença de qualquer elemento alienígena. Opero de forma analítica rumo a uma epoché. Se não fosse assim eu não teria em uma mulher a preferida entre outras, aquela que é isolada do conjunto de outras para que eu permaneça a seu lado em todo tempo. Se não fosse assim a mulher não teria também seu acto de escolha e todas as variantes possíveis. Eis a grande versão de vida que temos ao olhar as coisas. 

A vida torna-se diferente ao olhar. Ao ver com detenção qualquer coisa. Não é preciso migrar à arte, nós podemos ser realmente todos espectadores por natureza. Olhamos ao mundo e nisto não estamos equivocados. 


Eustáquio Silva (o8/03/2016)

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