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segunda-feira, 7 de março de 2016

O que atrai-me em literatura portuguesa?


Serei, à medida do possível, objectivo. Repito a cisma: o que atrai-me em literatura portuguesa - prestes a sair do currículo escolar brasileiro, notícia que soube e deixou-me espantado e ensimesmado - como um todo? Vamos às razões. 

Em um primeiro ponto: a literatura portuguesa é uma fonte perene de grandes textos. Em Portugal aprende-se e é-se incentivado a escrever. Não porque um Camões foi português e um Dante fora da Itália, mas porque, tal qual Vergílio Ferreira, escrever é um acto de liberdade. Escrever é uma forma de conformidade emocional e manifestação da própria vida. Em este ponto escrever tem um pressuposto compactível com uma arte em manifestação plena. Não deveria sê-lo assim em todos os lugares pelo mundo? Em muitos o é, mas a insipiência ainda causa-me espanto. Com o advento de técnicas de escrita cada vez mais curtas, pois o romance já entrou em sua crise, a apologia à escrita passou a ser apenas à escrita técnica, não mais à escrita prosaica, longa, que cause-nos enredo e teça-nos uma prisão emocional a qual só saiamos depois do deleite da leitura. Infelizmente o culto ao livro foi desmesuradamente substituído pelo culto a diversas coisas que não a leitura. Um pecado... Uma realidade. O assombro com a escrita e o que é-lhe oculto não agrada a tantos. Mas em Portugal passa a ser um objecto claro de estímulo, como em um rescaldo de verdade. De condicção de ler-se ainda algo novo.  Bolsas, incentivos colegiais, prémios, tudo isto é parte do que faz a literatura portuguesa viva. 

Em um segundo ponto: A literatura portuguesa, ao contrário do que pensa-se, dentre as literaturas lusófonas, é um travado de lutas entre a literatura clássica e a moderna. Claro que em menor molho que os diversos movimentos, todos esquecidos, da literatura brasileira, a ficar só na lusofonia literária. Porém, há autores que engendram leituras fortemente influenciadas por outros campos, tal como a filosofia, tal como a arte em suas outras variantes, tal como ciéncias e modos novos de rebuscar a linguagem. A isto some-se uma gama sempre nova de pessoas que ora são estimuladas ora estimulam-se a criar, até porque acho eu que a literatura, como toda a arte, é um acto criador e já vos disse cá sobre isto. 

Em um terceiro, e por hora último ponto: A literatura portuguesa é em muito auxiliada pela língua portuguesa. Seja em poesia ou em prosa, seja em qualquer gênero literário, a língua portuguesa consome um artefacto riquíssimo à criacção, a ser uma das formas idiomáticas, em verdade, mais propícia à criacção e a renovação literária. A conformação gramatical, as regras estilísticas, a semântica polissêmica e apurada. A sonoridade ímpar, talvez só nivelada ao francês, fazem da língua portuguesa uma pátria à literatura. Em cuidados da literatura portuguesa tudo isto é bastante explorado e condensado em frase de Fernando Pessoa "a minha pátria é minha língua". Some-se a isto o incomensurável e inesgotável reducto de combinações, exploração e de grande valia de palavras. Escrever em português é sentir as palavras pelos seus sons, pelas suas máximas, pela sua quase completa forma rica entre oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. A literatura portuguesa pode fazer versos em três tipos de forma e pode metrificar com um luxo inconfundível. Se estas relações não o forem concebidas, somente o facto de a língua ter um léxico enorme, leque de sinónimos, exército de metáforas e metonímias, com demais figuras de sintaxe, linguagem e estilo, eu vejo em este ponto a constante riqueza de palavra da língua. E, ao meu ver, a palavra rica exala vida à vida, a segunda vida que é a arte. 

Em estes condensados três pontos avalio o registo de um idioma propício ao criador em fazer literatura com estes elementos. Não é-me difícil imaginar arte como seiva poética e prosaica com a língua portuguesa. Penso eu que a riqueza hermenêutica também seja um ponto alto, pois transforma as verdades, que Ferreira fala, como plurais, plenas, pletóricas. Assim eu sentencio, pela minha vivência literária: a língua portuguesa é um dicto à poesia e à prosa, encanta-me. A literatura produzida em terras portuguesas hipnotiza-me ainda mais pela sua fidelidade ao idioma e pela riqueza de escavação da palavra. Só assim faz-se uma literatura verdadeira. 



Eustáquio Silva (07/03/2016)

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