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sábado, 20 de fevereiro de 2016

A arte tem vida própria - Platão, tu estavas errado.

Ó Platão, tu estavas errado, ou bem mais educado, o Senhor errou. A arte não imita a realidade como presumistes e bem sabes o porquê desta presunção, pois precisavas manter esta sanha de recuperar o já decadente estado de coisas da antiga Grécia. Querias manter a sanha de uma aristocracia, de uma espécie de governo e situação de pessoas que fugiam ao teu comando. Ó Platão, o que era a tua lição dos três sangues (ouro, prata e bronze) ligados à arte como mímesis do que pausar o avanço das novas visões de mundo em busca de uma situação desgastada de uma Atenas em início de declínio? 

Por isto sei que não reconhecestes o óbvio: a arte tem vida própria. A arte consegue a vida própria, apesar de ti, ó Platão. Nenhum de teus supostos diálogos, mesmo atribuídos a Sócrates, dava valor devido à arte. Por que, ó Platão, tu não te contentastes em raciocinar que a vida de uma reflexão não é eterna e que o teu pensamento um dia seria revisto por alguém de igual monta que a tua? Muitos o fizeram e depois de ti a arte ganhou um espaço dentro da filosofia: a filosofia da arte e provou-se que um dramaturgo não tem como função apenas provocar catarses, mas criar formas de visão da vida. A arte cria vida. E tu, ó pensador ateniense, não conseguistes visualizar o que teu discípulo Aristóteles viu com clareza, os diversos tipos de criacção ou poiésis. Não te ativestes com cuidado ao que te acercava. Ó Platão começastes a corromper o paganismo da arte; o centro da figura mítica de Dioniso, o criador de mundos a partir das trevas, e não do nada, coisas diversas. Não olhastes em volta e vistes o povo grego a compartilhar de uma sensibilidade cada vez mais ocupada com o que se via em volta. 

A Macedónia, enquanto reino, batia-te à porta. A relação próxima desta com o Egito sempre foi-te desconhecida propositalmente, pois muitos dos teus discípulos ignoravam os sofistas, a torná-los menores do que foram, inclusive ao que chamavam a atenção e a pedagogia que trouxeram. Infelizmente tu ignorastes estatuto à arte e se o mundo tivesse seguido o teu modo de ver a arte, hoje não teríamos arte que sobrevivesse a um passatempo. O que é impensável ante a todos que vemos a olhar a um quadro, a ouvir uma música, a ler um poema, e assim por diante. 

Decerto o teu erro foi notado. E se não tivestes a errar lá trás, ninguém hoje olharia para si e diria: mas como pode ele cometer este erro e mesmo assim ser considerado o berço da filosofia de sistema? Talvez a muitos o teu pensamento só tenha fechado o ciclo dos primeiros a pensar e com Aristóteles tenha-se mudado de estágio. Aristóteles dedicou espaço a Poética, como tecné, como criacção. Embora tu não tenhas dado crédito a teu discípulo macedónio após tua morte, este ultrapassou-te em grandeza. Este soube ser sensível ao nítido à sua frente, embora por ti ainda fosse influenciado. Mas o que deixa as coisas melhores é que este indivíduo abriu milhares de anos de notoriedade à arte e perspetivas múltiplas, uníssonas, polivalentes e assim por diante. Desde um miúdo hoje sabe que uma quadro de Picasso ou um poema de Fernando Pessoa não imitam a natureza, enfim criam natureza. E em muito esta reacção a teu pensamento é como uma revolta de um Atlas que é a arte contra ti que a negastes. 

Ó como teu erro foi uma solução. Ó como teu erro foi um vento astral por sobre a arte e fez-se a justiça devida a esta. Como queria que vistes a tua recusa política como uma solução em definitivo a arte. Tu conformastes, sem o querer, a arte a tudo que significa hoje. Eis teu grande talento. Teu grande prumo. Tua grande virtude. 
Agora tenhas de mim a certeza: não sigo-te em tua depreciação da arte. Não vou consigo até os rincões desta tua incerta e duvidosa opinião. Mas estejas certo: tu precisavas revê-la, mas não o fizeste, agora é tarde. A arte agradece-te, de forma indirecta. E este humilde blog hoje tem mais este tema a tratar por sua causa. Agradeço-te agora eu. 



Eustáquio Silva (20/02/2016)

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