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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Vê-se hoje o que Hamlet viu antes

O que pôs nojo em Hamlet? O que o fez proclamar que algo era podre em seu reino? A realidade. Sim, leitoras e leitores, a realidade. Pura e simplesmente este elemento suficiente para entendermos como são as pessoas, como comportam-se esquemas e como grupos pensam. A um homem de saber supra-histórico, isto é, que transcende a pura ideia de história como factos seguidos, qualquer olhar para trás é um olhar de agora. Passado e Presente reúnem-me numa cimeira de acerto de contas. Acerto este que jamais sai do papel. 

A instáncia oportuna: A Alemanha, mesmo depois de séculos do nazismo, pode ser identificada com este? O sentido e a direção alemã gozam da mesma propriedade, porém não repetem os mesmos atos. Mas a propriedade de que só "filosofa-se em alemão", que só a língua e o país alemão, o deutsche ainda está ou permanece Über Alles regista-se claramente entre o povo, pois faz parte de sua concepção de si mesmo. Ao reino de Portugal antigo soma-se o Portugal de hoje: às armas canta o hino e isto é sintoma de lusitanismo. Não é de hoje. Da Lusitánia, que resistiu por décadas aos romanos, a Portugal, país atual, o mesmo sentimento explode em veias e em minhas veias também o faz. O sentimento de que Portugal não "pereceu". E português é justamente aquele que faz por Portugal. Doa-se por Portugal. É Portugal quando for preciso. 

A história torna-nos habitués do presente enquanto videntes de um passado. Analogia com vinhos: os de uma garrafa são da mesma safra e da mesma videira, logo não importa quando sejam tomados. São do mesmo canto. O indivíduo deve pautar-se a isto. O nojo de Hamlet foi perceber o podre na história, repetido na história, na família, no poder, poder que também tem história. Daí o título do que escrevo: vê-se hoje o que Hamlet viu antes. A análise de pessoas grossas e ignorantes é a mesma, que apossam-se de pedaços do mundo e afugentam ao outro como se fossem detentores do último pedaço de glória de um lugar que só fizeram nascer. Apegam-se a idealismos. O idealismo é pai de uma história que deixa tudo como está e quer que tudo repita-se no futuro. É linear? Não. É espiral. Quer a volta, mesmo que parecida. Retornar ao passado não é habitar nele. Mas para estes idealistas sim. Papéis, acordos, leis, pouco importam. São anteriores a Guttemberg. São anteriores à Revolução francesa. São anteriores ao mundo globalizado e cada vez mais próximo. Interessam-se por picuinhas tão modorrentas quanto desnecessárias. Apodrecem tudo que tocam. Um abuso de tudo. Um abuso de todos os lados. 

Agora mesmo fui vítima deste "como assim português?". Nasceste cá? Não podes sê-lo por um papel. Ou seja, rejeitam o tempo presente e voltam-se a passados tão longínquos que até perde-se de vista. O erro primal é justamente acreditar que elementos de sangue ainda podem determinar, sem documentação, o que se é. Já nascemos etiquetados. Não se é mais filho de X ou Y, ou ainda é-se, mas com provas documentais, ficheiros, cartas e tudo mais, enfim papeis! Portanto, cuidem-se para não cair neste podre hamletiano. Cuidem-se para não atrasarem-se ao tempo e em tempo olhem a história como passado-presente e não como algo que jaz lá atrás. Benjamim sabe mesmo o que é o anjo da história de Klee? 



Eustáquio Silva (02/02/2016)

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